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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 8 (Conto)

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 8

Rangel Alves da Costa*


Não sei bem nem o que é plano, só de ouvir vocês falar em plano de safra boa ou safra ruim, em plano se chover ou se não chover. Talvez não seja nem plano o que penso...
Não se preocupe minha filha, se não for um plano fica sendo alguma coisa que você tem intenção de fazer, e isso já é muito importante.
Pois bem, então vamos lá. Meu plano começa não me importando mais com as palavras agressivas do meu pai, com a violência praticada por ele e com qualquer atitude dele para me fazer medo.
E a mãe perguntou o que estava por trás daquilo tudo.
Nada demais, minha mãe, mas imagino que quanto mais a gente dá importância ao nosso agressor mais ele cria ânimo para agredir mais, para intimidar mais ainda...
Ah!, e como isso é verdade!
Assim, se eu fizer de conta que não estou nem aí, acho que ele vai se cansar e mudar de atitudes. O problema é saber quais serão as próximas atitudes dele, principalmente quando se der conta do que pretendo fazer daqui por diante.
A mãe quase perde a cor e a fala. Por fim perguntou o que ela pretendia fazer dali em diante.
Vou viver, só isso. Daqui em diante quero viver, só isso. Meu pai pode espernear, enlouquecer, me agredir, querer me matar, mas não quero mais deixar a vida passar e eu ficando nesse quartinho, nesse chão, pelos cantos pensando que lá fora existe uma vida e chorando.
A mãe nervosa de arriar, disse que isso seria o correto de se fazer, mas seria perigoso, muito perigoso.
Perigoso eu sei que é, mas tem que ser assim. Não é vida poder olhar o mundo através de uma janela, caminhar pelo mundo dentro de quatro paredes, ver o sol pela fresta da telha...
Nisso você tem razão, minha filha!
Pois é, mamãe, não é vida crescer como se você bicho que tá engordando pra se morto mais tarde, ser como passarinho cantador que vive com seu canto aprisionado numa gaiola, ser como uma doente que tenha de viver recolhida dia e noite num quarto de barro e deitada numa cama de vara...
Nunca tinha pensado nisso tudo não, minha filha!
Do jeito que vai vou esquecer que existo, não vou mais saber quem sou eu, o que quero, se tenho algum sonho, se desejo ser alguma coisa na vida, se poderei andar cem metros adiante daquela porta e ir conhecer ao menos a natureza ao redor...
Tem razão, tem razão!
Já sou mocinha e ao mesmo tempo sou uma criança de colo e uma velha de cem anos; penso que sou bonita, mas não sei se sou feia; acho que sei abrir a boca e dizer palavras, mas não sei se sei falar; não sei se sou gente ou bicho, mulher ou qualquer coisa, uma filha ou animal de estimação...
E a pobre mãe, agora aos prantos, se resumia em olhar com compaixão para a filha, que também deixava derramar algumas lágrimas pelo canto do olho.
E o pior mamãe, é que sou impedida de fazer as coisas mais simples, mais bestas, mas que certamente trazem felicidade para as pessoas. Não posso me esquentar e caminhar ao sol, não é me dado o direito de apreciar as belezas do dia nem da noite, caminhar pela natureza, conversar com os bichos, colher flores, olhar as estrelas, falar com a lua. Nada disso...
Você tem razão minha filha, isso realmente não é vida não. Mas o que podemos fazer para mudar essa situação, com seu pai do jeito que é?
Taí o restante do meu plano, mamãe. Vou enfrentar a fera e fazer tudo aquilo que tenho direito e ele me impede de fazer.
Mas minha filha, isso é muito perigoso!
Perigoso é morrer sem viver. Amanhã mesmo vou pular a janela, caminhar pela natureza e fazer amizade com quem silenciosamente pode ser verdadeiramente amigo.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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