SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 5 de dezembro de 2010

NÓS E OS OUTROS (Crônica)

NÓS E OS OUTROS

Rangel Alves da Costa*


De vez em quando afirmamos que se nascemos sozinhos, é nesta condição que devemos seguir pela vida, sem necessidade de que os outros passem a interferir nas nossas ações e, na maioria das vezes, prejudicar a caminhada.
Ocorre que não somos Robinson Crusoé na sua ilha solitária. Já disse o romancista que ninguém é uma ilha; o poeta afirmou que a solidão não existe nem com o solitário, acompanhado que vive pelos seus fantasmas. Ainda outro, com inegável sabedoria, concluiu que invariavelmente vivemos a três: nós mesmos, nossas sombras e os outros.
Mas a solidão que se prenuncia nessa análise não é a da ilha, do estar sozinho, do não ter ninguém por perto. Falamos da necessária solidão de não sermos ameaçados nos nossos silêncios, nas nossas liberdades de fazer o que quisermos, de não termos as nossas privacidades invadidas por quem quer que seja.
Isso é essencial porque os outros que estão ao redor jamais se contentam enquanto não dizem que os nossos olhos estão tristes, estamos mais gordos ou mais magros ou que não contamos ainda nada sobre a vida dos outros. Parece absurdo, mas ninguém quer nos deixar em paz quando mais queremos ou precisamos.
De minha parte, pago com moeda de ouro a quem fizer o favor de não se intrometer no que faço, no que digo ou no que penso. Se deve haver um limite no agir ou no pensar, se deve haver uma fronteira no passo ou no olhar, não há com o que os outros se preocuparem, pois sou o juiz do meu direito e o carrasco nas minhas condenações.
Não há coisa mais abjeta e lamentável do que os outros que não se olham e nem se enxergam cismarem em viver metendo o dedo e a voz onde não foram chamados. Porque disseram que você fez isso, porque contaram que você conseguiu aquilo, porque acham que deveria ser assim ou assado, porque talvez se isso...
Muitas vezes as pessoas são chamadas de mal-educadas, ignorantes, arrogantes ou mesmo de idiotas, apenas porque se dão o direito de não abrir qualquer tipo de brecha para que os outros venham chegando de mansinho, digam a primeira palavra, depois outras e mais outras, tirem um objeto do lugar e depois queiram mudar totalmente os ambientes.
Outras vezes preferem fazer que não conhecem ninguém, não têm compromisso marcado com pessoa alguma, deixam que os outros fiquem imaginando que elas sumiram, viajaram e até morreram. São situações desagradáveis, mas tem de ser assim, pois ninguém suporta estar dando atenção a quem não quer, estar dirigindo palavras vãs somente para serem boazinhas ou tendo de suportar o insuportável apenas para serem educadas ou solícitas.
Por estas e outras começo a entender porque muitas pessoas dizem que sonham em morar numa ilha, viver numa casinha branca num alto da serra e bem distante, se mudar para um local onde não conheça ninguém e se possível até para outro país. Outras mais realistas procuram logo impor suas distâncias essenciais e se trancam, se fecham e somem. Mesmo que os outros as reconheçam nas ruas será a mesma coisa, pois estarão com suas amnésias voluntárias ativadas.
Dou razão a todas essas pessoas que lutam para manter distância de certos indivíduos insuportáveis, porém não chegaria ao extremo de querer sumir ou morrer. Concebo essa fuga de uma maneira diferente, mais solitariamente poética, pois cheguei à conclusão que o melhor mesmo é ir embora pra Pasárgada.
E, como diz Bandeira, "Vou-me embora pra Pasárgada, lá sou amigo do rei, lá tenho a mulher que eu quero na cama que escolherei... Vou-me embora pra Pasárgada, aqui eu não sou feliz... E quando eu estiver mais triste, mas triste de não ter jeito, quando de noite me der vontade de me matar - Lá sou amigo do rei - terei a mulher que eu quero na cama que escolherei. Vou-me embora pra Pasárgada".



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Toninho disse...

A nossa privacidade e liberdade de ser e estar de bem com a vida e o que isto recebe de interferencia alheia é coisa mesmo para refletir.Ir embora para Passargada é o caminho amigo.Se somos ainda amigo do rei ficaria mais facil.Mas viver é isto mesmo, esta eterna reflexão.Um abraço de toda paz.Sempre um texto preciso e bem redigido.Bom de ler e refletir.