SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 19 de dezembro de 2010

MUIÉ ARRETADA (Crônica)

MUIÉ ARRETADA

Rangel Alves da Costa*


Na minha vida de sertanejo já vi tudo de arrepiar, já vi Lampião chorar, já vi Corisco cantar, já vi mandacaru caminhando, já vi cavalo aboiando, já vi morto se matar, já vi moça virgem engravidar.
E vi muito mais, pois já vi padre pai de família, ter três filhos com Maria; já vi valente com flor na mão, já vi sol no meio da noite e a lua cheia dentro de uma garrafada. Já vi tudo, mas nunca vi nada igual a Zabé, muito mais do que mulé, uma muié arretada.
Com três anos começou montar em cavalo brabo, correndo pelas pastagens, juntando boi valente, caçando vaca arribada, guiando mais que boiada. Montava em alazão, jegue e jumento, certo dia montou num bezerro valente e foi pro chão num instante, e foi quando jurou que dali por diante bicho nenhum teria vez em suas mãos destemidas.
Aos sete anos aboiava feito cantador de vaquejada, soprava no berrante como ninguém, já tinha seu cavalo ligeiro e dizia que sua vida dali por diante seria somente a vida de gado, mais nada. Mas não teve jeito não, pois teve que ir estudar debaixo de chicote de marmeleiro e da surra certeira se não cumprisse as ordens do pai.
Não ficou dois ou três meses estudando, e isso passando de escola a escola, pois nenhuma aceitava mais a menina depois de duas ou três semanas. Abria o berreiro na sala, começava a aboiar, chamava a professora de pintada e dizia que ela tinha de ser chiqueirada. E ia pra perto da pobre da mulher bater de chicote nas suas ancas, tratando como se fosse bezerra revoltosa.
Um colega quis se engraçar com ela e só não apanhou mais porque a escola todinha intercedeu. Depois de derrubar o garoto, montou nele e começou a esquipar, dizendo que cavalo frouxo tinha que sofrer no estribo, tomar ferroada pra ganhar prumo. E o menino chorava e esperneava, e ela montada como se estivesse amansando bicho malcriado.
Por fim foi expulsa de onde passou, com direito ao pedido de pelo amor de Deus não passasse nem na rua de nenhuma daquelas escolas. Ela aceitou de bom grado as expulsões. Não era seu objetivo estudar pra ser doutora, a não ser de fazenda, de pasto, de gado, de coisa bem sertaneja e da terra.
Foi expulsa, mas antes de sair deixou um estrago em cada uma. Cismou de montar num cavalo e foi passando de escola em escola, fazendo todo mundo correr e deixando pelos cantos o maior fuzuê.
Já moça feita e nada de namorar. Era bonitona, jeitosa toda, merecendo o olhar apaixonado de todos da região. O problema é que todo mundo queria flertar com a moça vaqueira, mas ninguém tinha coragem de chegar nem perto.
Bastião quis dar uma de sapeca, deu um psiu quando ela ia passando e teve que correr do lugar. Já com Tenório foi diferente, pois ela marcou encontro com o rapaz num curral e quando ele chegou lá todo contente teve que provar fezes de animal.
Desse jeito, todo rapaz tinha olhos pra ela, mas ninguém chegava nem perto. Contudo, fato estranho aconteceu com Cirino, rapaz de família e bem afeiçoado, noivo da princesa do lugar, faltando uma semana para o casamento, mas que viu seu mundo desandar quando a dita da Zabé cismou de se apaixonar por ele de uma hora pra outra.
Ela mesma aproveitou quando viu os dois juntinhos e foi até lá decidida a, ao mesmo tempo, dizer que a partir daquele momento o noivado tinha acabado e que dali por diante ele era o seu namorado. A noiva foi impedida de chorar, foi impedida de se despedir do namorado e foi contado até três para que ela sumisse no mundo. O coitado do Cirino se viu numa situação que achava melhor nem ter nascido.
No outro dia o rapaz casou a pulso com Zabé. Não demorou nem um mês e morreu de fraqueza sexual. E a mulher botou luto, chorou pra se acabar, nem parecendo a mulher macho que as más línguas diziam às escondidas. Sumiu de vez e foi morar no mato, feito bicho que ela parecia ser.
Mas um dia voltou. Já tinha lá pelos setenta anos, mas ainda se dizendo vigorosa e danada de arretar. E a primeira coisa que fez foi escolher três rapazinhos e forçar que eles morassem com ela numa mesma casa, todos três como maridos da velha cheia de fogo, fogosa.
Não demorou muito e se tornou viúva desses outros três, até que com mais de cem anos realizou seu grande sonho, que era ter um filho, parir.
Pois é, a danada da mulé pariu com cento e cinco anos, um menino macho, porém sem saber ao certo quem seria o pai, diante de tantos amantes que ela mantinha às escondidas.
E isso aconteceu de verdade, eu juro!



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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