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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 2 (Conto)

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 2

Rangel Alves da Costa*


Maria menina mocinha, cheia da inocência dos anjos, não tinha qualquer maldade no coração, não sentia raiva por nada, não guardava nenhum rancor. Era um doce a menina.
Maria não precisava nem de roupa bonita nem de enfeite para ser a mais linda do mundo. Tinha vestido de chita, tinha vestido de algodão, e tudo lhe fazia bonita.
Maria possuía pente e espelho. Um espelho achado no mato, velho, quebrado, com pouco brilho, meio opaco, mas que sorria de alegria só por poder refletir Maria.
Maria gostava do espelho, ficava se olhando por muito tempo, se perguntando se era feia ou bonita, se penteava e sorria, era uma graça essa Maria.
Um dia o espelho sumiu, Maria procurou e não achou. Revirou a cama, revirou o quarto, olhou embaixo de tudo, olhou até pelos matos, mas nada do seu eu cristalino.
Maria chorou três dias, escondida para ninguém ver, bem baixinho soluçando, se perguntando onde teria guardado o espelho companheiro que não encontrava de jeito nenhum.
Queria apenas se olhar, queria apenas se ver, queria apenas se perguntar se era feia ou bonita. Queria vestir o vestido de chita para o espelho espelhar. Mas nada do espelho encontrar.
Não tinha jeito de achar o seu dengo. Não chorou mais, mas entristeceu de vez. Não tinha vontade de correr pelos matos, de conversar com passarinho, de procurar flor do campo. Nada.
Tudo na natureza sentiu falta de Maria. Preá procurou por ela, sabiá cantou com saudade dela, beija-flor ficou sem beijar a amiga, mandacaru ficou pensativo, umbuzeiro até chorou.
Pardal voou de mansinho e olhou Maria pela fresta no barraco e viu que a amiga estava sentada no chão olhando pra cima imaginando qualquer coisa na vida. Estava triste demais a amiga.
A tristeza era tanta que o seu pai abriu a cortina e entrou no quarto pra perguntar o que estava se passando. Ela respondeu que nada, que apenas estava sem vontade de sair pra passear.
O pai que não era bobo já sabia o mistério daquela tristeza toda. Já tinha visto Maria se olhando, se penteando e sorrindo. E agora sem o espelho só podia estar daquele jeito.
O pai voltou mais tarde e resolveu falar o que pensava e disse tudo, e disse pra magoar. Disse mais do que devia, disse coisa de arrepiar, e disse tanto que fez a menina chorar.
Disse sem meias palavras que não tinha filha pra ficar se espelhando não, que mocinha nascida do seu sangue não era pra saber se era feia ou bonita, que era pra não ficar vaidosa.
Disse que moça filha bonita no sertão era coisa pra fazer inimigo, era encrenca na certa, pois se um gavião chegasse batendo asa iria voltar dali de bico quebrado.
Disse que não se preocupasse se era feia ou bonita, se tinha cabelo bom ou ruim, se era morena ou azul, se tinha dois ou três olhos na cara. Bastava que os pais conhecessem a filha que tinham e pronto.
Disse que ela era feia, era a mais feia do mundo; que tinha o cabelo ruim, o mais emaranhado do mundo; disse que só tinha um olho e que já tinha demais.
Disse que não aceitava que ninguém lhe achasse bonita, que lhe achasse aprumada, que parecia moça lá da cidade, pois se alguém dissesse isso ia ouvir umas verdades.
E Maria levantou do chão onde estava jogada, olhou bem nos olhos do pai e disse sem aumentar a voz, até meiga e suave, com voz fininha quase vento, que mesmo raivosa parecia melodia.
Pediu perdão ao pai pelo que ia dizer, que se quisesse lhe batesse, colocasse no castigo ou até matasse, mas que nada daquilo que era verdade porque sentia por dentro e o espelho não negava.
Disse que era linda, disse que era flor, disse que tinha olhos de mar e cabelo de sereia, disse que tinha a pele de maçã e corpo de lua crescente. Disse que sabia quem era e como era e que nada na vida poderia fazer ser diferente.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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