SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 4 de novembro de 2011

ALEG NÃO É LONGE (Crônica)

ALEG NÃO É LONGE

                                        Rangel Alves da Costa*


Estou cansado, triste, solitário, envelhecendo prematuramente, um tanto desencantado com a vida. Por isso vou embora, vou viajar para Aleg, me recolher por uns tempos em Aleg, conviver com aquele jeito de viver tão maravilhosamente humano e acolhedor.
Dizem que em Aleg posso deixar as portas e janelas abertas, posso deitar na varanda, armar minha rede na frente de casa, sair descalço, andar nu se quiser e tomar banho de chuva. E dizem também que ainda existe lua por lá, noite de vento soprando, silêncio misturado ao canto e barulhar dos bichos e também um dia seguinte. E esse dia seguinte às vezes chega com o sol brilhando logo cedinho.
Até que não é muito ruim permanecer por aqui. Ainda consigo encontrar pessoas boas, amigos leais e muitas coisas que trazem encantamento. Contudo, mesmo estas pessoas que tanto gosto parecem não gostar do meu ofício artesanal de escrever. Ninguém mais lê meus poemas, minhas crônicas, meus contos e muito menos meus romances.
E tudo isso será diferente em Aleg. Não sei se as pessoas de lá gostam tanto assim de ler, mas tenho certeza que agem de uma forma que é tudo que um artesão da escrita espera e deseja, que é colocar no varal livros, páginas e folhas abertas para o vento soprar e tudo ao redor saber que ali há um poema, um verso, uma história. E assim as pessoas vão chegando e perguntam se o artista cria outros sopros iguais.
Não que aqui seja tudo muito ruim. Não, isso não. Gosto muito de caminhar por aquela alameda cheia de flamboyants, passar perto daqueles canteiros com flores silvestres, de esquecer a vida passeando pelo jardim das acácias, ficar sentado no sombreado das árvores centenárias e sentar naqueles banquinhos feitos de madeira antiga. Gosto de tudo isso, porém só agora lembrei que não encontro mais nada disso, que tudo já faz parte de uma recordação.
Lá em Aleg, pelo que eu soube, não haverá lugar para tristezas. A pessoa joga resto de pão feito ali mesmo no forno e os passarinhos se aproximam mansinhos, alegres, cantantes, e mais tarde já estarão no ombro feito bons amigos. As cartas nem precisam ser seladas. Você escreve e o pombo correio passa todas as manhãs pela janela e recolhe a correspondência endereçada; ao entardecer a ventania esvoaçante vai jogando porta adentro os envelopes cheios de boas notícias.
Aqui o remédio está caro, a comida está cara, roupa está cara demais, viver está caro demais. Pobre não pode mais comprar pão, pedaço de qualquer coisa virou luxo pra quem pode comprar. O simples gesto de acender uma lâmpada, ligar a torneira, fritar um ovo ou mesmo comprar um jornal, significa uma pequena despesa que se somando a tantas despesas cada vez maiores, de repente a pessoa não tem mais dinheiro nem pra tomar um sorvete de carambola.
Mas lá em Aleg é muito diferente. Os rios que passam ao redor são cheios de peixes, bastando jogar a tarrafa ou o anzol e ter o almoço fresquinho. Sobremesa de frutas não há de faltar, pois basta espalhar pequenas fruteiras embaixo dos muitos pomares existentes que de lá partirá com cestas repletas de cores e sabores deliciosos. Não há luz elétrica, água encanada, nem mercearia nem mercadinho, mas também não precisava. Tudo que há em Aleg é de todo mundo sem precisar pagar nada.
Aqui realmente está impossível viver. Ninguém suporta mais tanto barulho, tanta poluição, tanta violência, tanta corrupção, tanto perigo por todos os lugares. Ficar em casa de porta fechada é perigoso, sair às ruas significa estar refém do medo em cada esquina; caminhar pelos centros urbanos é andar ao lado, na frente e atrás, de pessoas que parecem que são inimigas, olhando feio, querendo agredir. É tudo como se cada um olhasse para o outro como se fosse a pessoa mais desprezível do mundo. E num lugar onde não se preserva mais amizades, não se respeita o próximo, não pretendo mais ficar.
Por isso mesmo que já arrumei minha mala e hoje mesmo estarei indo embora, vou para Aleg. Não sei bem onde fica e nem sei mesmo se existe, mas vou seguindo por aí até encontrar. Não precisarei nem de mapa, de guia ou de qualquer referência pela estrada. Já sei que andarei por muitos caminhos, passarei uma noite e depois uma chuva, mas assim que o sol aparecer e eu avistar minha sombra já estarei em Aleg.
Minha sombra estará esperando por mim em Aleg. Tenho certeza que minha sombra estará lá esperando por mim. E é por isso que tenho pressa, pois não vivo sem a única coisa que tenho, que é minha sombra. E preciso me completar.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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