SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 29 de novembro de 2011

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: DIA DE CHUVA

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: DIA DE CHUVA

                                          Rangel Alves da Costa*


Conto o que me contaram...
Dizem que numa cidadezinha sertaneja, dessas que ficam lá por detrás das montanhas do fim do mundo, vivia um povo tão precisado de chuva para plantar, colher, beber e viver, que depois do período de estiagem todos se preparavam para a grande festa.
Depois de um, dois ou mais anos sem cair na terra uma gota de água sequer, assim que os profetas da chuva anunciavam que a barra havia mostrado um quadrante de nuvens negras, prenhes de trovoada, era o sinal maior e tão esperado para as arrumações, para a festança começar.
Difícil de acreditar, coisa de maluco se podia dizer, mas a verdade é que os preparativos para a festa da chuvarada não envolvia ajeitar os telhados, limpar as cisternas, passar a enxada nos barreiros, preparar as sementes. Nada disso. O povo se preocupava mesmo era com outras coisas.
Não pensem ser invencionice não, mas a grande preocupação do povo era com a vestimenta nova que usaria assim que a chuva começasse a cair. Assim que as nuvens encobrissem o lugarejo cada um morador tinha de estar tomado dos pés à cabeça pela vestimenta mais rica que houvesse.
Assim, tiravam das caixas ou dos embrulhos o vestido novo, a calça nova, o sapato novo, a sandália nova, a saia, camisa, o jaquetão, tudo novo e se paramentavam como se fossem a um grande baile. Cabelos na brilhantina, arrumados cuidadosamente, com perfumes derramados pelo corpo inteiro, tudo na conformidade para o grande evento.
E todos vestidos de roupas brilhosas, engomadas e enfeitados de quinquilharias, assim que os primeiros pingos caíam já abriam as portas e em seguida, com a trovoada já se fazendo volumosa, todos saíam para o meio do tempo, para debaixo das águas, para dançar, pular, rolar pelo chão, se lambuzar, deixar a roupa nova em frangalhos.
E de tanto brincar, cantar, rodar, se rasgavam completamente, quase se despindo ali debaixo da chuvarada. Mas tinha de ser assim, como um ritual onde a roupa nova era oferenda aos deuses da chuva, com a certeza que o tempo bom, com a terra molhada, as plantações e as colheitas fartas, muito mais do que vestimentas poderiam adquirir.
Era a festa da vida, o ritual de agradecimento à chuva que significava tudo.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com 

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