SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 18 de novembro de 2011

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - Penúltimo (Conto)

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - Penúltimo

                                          Rangel Alves da Costa*


Doravante por opção própria, para não falar que a reincidência é fruto da própria política penitenciária que joga indivíduos na rua prontos somente para cometer novos delitos e retornar, agora a vida de Jozué na penitenciária estava sendo muito menos traumática. Mesmo diante de feições novas, de indivíduos com seus bestiais motivos para estarem ali, já conhecia o cotidiano e alguns dos seus devastadores segredos.
Por não ser novato e conhecer muitos daqueles agentes prisionais, podia transitar com tranquilidade, impor certas regalias a serem satisfeitas por outros presos, ter uma voz mais alta diante de qualquer assunto. Não era líder nem chefe de facção ali dentro, vez que não tinha as características ideais para ser cabeça num covil de condenados.
Contudo, o mais correto se afirmar é que aquele Jozué filho de Dona Glorita, rapazote pobre, trabalhador e sonhador, subindo as ladeiras e entrando pelas curvas do Cafundó do Judas não existia mais. Nem sombra disso existia mais. Aquele menino da fotografia que continuava lá na parede verdadeiramente não existia mais. Agora era apenas o Jozué ladrão, perigoso, reincidente, praticante de atos delituosos de arma em punho.
A injustiça, infelizmente, havia vencido. E a justiça vencida precisamente dentro do seu próprio campo de batalha, que era o judiciário. Com generais corruptos, covardes, bandidos que deveriam erguer a bandeira da lei, negligentes, vendendo a qualquer preço segredos do front, não haveria luta justa que saísse vencedora.
Dessa forma, o intuito dos algozes havia sido plenamente alcançado, a condenação sendo inocente tinha transformado o bom moço no marginal, a pena cumprida inocentemente agora se revestia de uma odienta justificativa. E isto para se ter uma ideia de como, através da manipulação do próprio poder judiciário e dos desvios dos objetivos da justiça, se transforma a vida numa espécie de perpétuo sacrifício, em algo que não vale realmente nada.
Se não terminasse os seus dias ali e mais tarde alcançasse novamente uma inexistente liberdade, certamente que teria poucas e cruéis opções: furtar, roubar, seqüestrar, ferir, matar, voltar para a cela, para o esgoto prisional, que agora, forçosamente, seria seu lar mais costumeiro. De um lado um irmão de sina, de outro um irmão de pena, mais adiante um irmão de desesperança, e ainda parentes infindos na mesma linhagem criminosa.
E Jozué, ali se reconhecendo em meio ao poço de torturas, sequer imaginava que num dia qualquer, quem sabe mais cedo ou mais tarde, poderia ter a companhia daquele que seria o culpado por estar ali. Exatamente Auto Valente, o advogado mentiroso, que ajudou a condenar ao invés de defender, e que fez da preciosa liberdade de inocentes um negócio lucrativo, vendendo a vida e o futuro dos outros por moeda de uma só face.
O próprio Auto Valente continuava firme trilhando o passo nesse caminho. Já havia pensado e repensado, medido à exaustão o peso das consequencias, mas não havia encontrado outra saída para continuar vivendo senão matando. Ora, repetidas vezes se dizia que ou matava o biltre do deputado ou não demoraria para que seu corpo fosse encontrado num monturo com a boca cheia de formigas. E por isso mesmo não havia outra saída senão dar prosseguimento no seu intento de assassinar o parlamentar.
Mas como fazer isso, se o parlamentar não era de ser visto completamente sozinho ou andando por lugares que não fossem os endereços secretos, o seu escritório tão particular que poucos tinham acesso a ele e na assembleia legislativa? Já estava pensando onde deveria se dar o crime, restando apenas detalhar melhor a operação para não sair nada errado no momento. Descartando-se o prédio da assembleia, vez que dia de sexta-feira nenhum deputado aparecia por lá, qualquer outro lugar seria ideal.
E por incrível que pudesse parecer, mas sua experiência na área criminal dizia que corria mais risco de morrer por seguranças se falhasse no seu intento, do que se desse um tiro certeiro. Se os seus disparos fizessem com que o deputado caísse ao chão ou mesmo se mostrasse com graves ferimentos, então os seguranças se preocupariam em socorrê-lo e não em alvejar contra o atirador ou sair em sua perseguição.
Tudo isso era passado e repassado na cabeça, entre uma dose de bebida e outra. Molhava o lábio no copo e ficava de olho sempre voltado para o celular, pois mesmo escondido não podia deixar de se comunicar com sua futura vítima. Já sabia que a qualquer momento ele telefonaria para falar da festança de sábado, para tentar descobrir onde ele estava, para fazer qualquer coisa maldosa. Por seu lado, teria que perguntar, e isso era fato primordial nos seus planos, o que o deputado faria no dia seguinte, sexta-feira, e onde poderia ser avistado.
Eis que o telefone toca e o deputado logo reclama nunca mais ter visto o amigo, que o mesmo anda muito sumido e precisava encontrá-lo para discutirem detalhes de algumas coisas que andavam pendentes, dentre os quais os nomes dos convidados para a festa. Mas não falou sobre o dossiê nem do acerto com o chefe de redação do jornal e muito menos que o seu empregado já havia telefonado e dito que o veneno já havia sido providenciado para o seu deguste.
Ouvir tais baboseiras era o que menos interessava ao advogado, resumindo-se apenas a dizer que tivera de ausentar-se da capital naquele dia, mas que no dia seguinte logo cedinho estaria retornando, quando poderiam marcar um encontro. E em seguida perguntou onde poderia ser encontrado, eis que na sexta-feira não compareceria à assembleia. E eis a maior surpresa ouvida pelo advogado:
“Até que gostaria de ter o dia de amanhã inteiramente livre, mas na parte da manhã, lá pelas dez horas, está marcado no plenário da assembleia um evento importantíssimo ao qual não poderei faltar de jeito nenhum. É que marcaram pra amanhã, numa sessão especial, a votação de um projeto que irá me beneficiar mais adiante. Trata-se de uma ideia genialmente brilhante de um experiente parlamentar que se volta para a aposentadoria dos deputados. Segundo o projeto, ao fim do mandato o deputado poderá pedir aposentadoria, passando a receber como se estivesse na ativa, com todos os ganhos extras. E o mais importante é que se ele foi eleito, por exemplo, três vezes, passará a receber, além da aposentadoria normal, mais três vezes o mesmo valor. E o ponto de ouro: somados todos esses valores, será transformado num salário único, e que será reajustado anualmente pela idade do ex-parlamentar. Quer dizer, quem estiver com oitenta anos vai ter seu salário reajustado em oitenta por cento. Não é um projeto maravilhoso?”.
Auto Valente nem ouvia mais o que o outro dizia. O mais importante já tinha ouvido perfeitamente bem. No dia seguinte ele poderia ser encontrado na assembleia e lá seria o local ideal para concretizar seu plano assassino..

                                                    continua...






Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: