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terça-feira, 1 de novembro de 2011

VIAGEM PARA ESLSS (Crônica)

VIAGEM PARA ESLSS

                                      Rangel Alves da Costa*


Nunca fui, não conheço, talvez você também não. Ninguém que eu conheça conhece Eslss. Mas Eslss existe, tenho certeza disso porque uma pessoa que não conheço, e que nunca conheceu Eslss, diz que existe.
Mas tem gente que não pode nem se lembrar de Eslss, principalmente porque agora a pingueira tá molhando o sofá da sala, a água tá entrando pela varanda e não teve tempo de buscar lenha para fazer o café, torrar um pedaço de toucinho e depois se lambuzar na farinha.
Mas Eslss é muito distante. Ao menos deve ser, pois pelo que não sabem nem onde fica deve ser assim mesmo, muito distante. Longe e maravilhoso, com uma natureza encantadora, paisagens deslumbrantes, um povo bonito e de paz.
Zezinho é um fi da peste mermo. Pedi ao gota serena que num esquecesse de trazer a lenha assim que o tempo começou a escurecer, mai num teve jeito. Num foi e desapareceu, se meteu num sei adonde. Deve tá futricando safadeza com a lambida da Amorosa.
Anéis de ouro, brincos de ouro, coroas e até auréolas de ouro. Na imponência do reino que deve ser Eslss tudo deve ser dourado, brilhante ornamentado, rico e humilde ao mesmo tempo. Alguém já ouviu dizer que lá mora um povo nobre, rico demais, porém de uma humildade de fazer inveja ao verdadeiro franciscano.
Mai se chegar com conversê vai receber o troco na cara. Minhas ideia é pouca, é dizer logo tudo duma vez. Se presta presta, se num prestar digo logo que é pra ver se toma jeito e vai comer e dormir lá pra casa das quenga dele. Mai ora quem já se viu querer ter bucho cheio sem trabaiá.
Dizem que se ouve uma linda e suave melodia saindo dos campanários das igrejas, tomando os ares, invadindo as pessoas e iluminando seus espíritos, enchendo-os de paz e encantamentos. E na hora da oração, observada três vezes ao dia pelo povo bom, anjos aparecem para beijar na face daqueles que representam a verdadeira fé na divindade.
Vai-te com esse mocotó pra lá, bixiguento. Todo dia isso, todo dia mondongo de porco no feijão ninguém agüenta não. Se fosse omeno com tripa de porco, bucho de gado e uma nesga gorda de toucinho ainda ia, poi o de comer tomava sabor e valia a pena a gente jogar farinha pru riba e adespois fazer que morreu inté mais tarde.
Fazem silêncio até nas palavras porque ali tudo parece silêncio. E silêncio de igreja, de céu, de contemplação, de solidão desejada. As vozes que ninguém pode deixar de ouvir, até porque são repetidas sempre, são aquelas dizendo te amo, com licença, muito obrigado, te espero, volte sempre, que a paz esteja convosco.
Raio que o parta, seu coisa ruim, vai mardizê a vida lá pa casa da peste, aqui não. Quem já se viu um danoso igual a tu, com cara e cheiro de urubu, querer dizer que a gente num é feliz pruque é pobre. Num troco minha parede de barro, meu fogão de lenha, meu pote e minha moringa pru nada no mundo, que dirá por casa que pra entrar tem de ser de pés no chão. Mai home, ando descalço no espinho que dirá nessa merda luxenta.
E o carteiro chega no seu cavalo branco porque muitos convites terão de ser distribuídos para a grande festa. A filha do rei, a mais bela herdeira da coroa, que dizem ter a própria beleza da flor na estação mais bela, vai casar brevemente e com um pobre lenhador que mora distante. Ela queria morar nas montanhas, numa tapera de madeira, mas o povo a presenteou com um castelo todo feito de conchas do mar.
Disgraceira, é isso que você é, seu fi de mãe sem pai, seu fi de quarque um. Num tinha que derrubar um papagaio do menino nem furar sua bola. Tá pensando que ele num tem famia num, é? Num quero nem tempo ruim pra tu, urubu carnicento, poi já sei cum quanta vela preta vou cercar seu caminho de num sair mai de riba do mermo lugar.
O rei, pai da bela princesa, que é homem de coração reconhecidamente generoso, mandou convidar todas as pessoas boas do mundo para a grande festa de Eslss. Cavalos alados sairão em cortejo para buscar cada um que queira conhecer o lugar. O meu convite tinha letras douradas.
Se Manuel Bandeira foi pra Pasárgada, por que não posso ir para Eslss? Qualquer dia voltarei e pedirei à minha vizinha para ter mais calma, para não viver chamando tanto nome feio e reclamando demasiadamente da vida.
Eslss só é diferente porque posso sonhar, mesmo quando ouço a mulher esculhambando o mundo do outro lado da parede.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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