NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 87
Rangel Alves da Costa*
Assim que tomou conhecimento da inesperada soltura de Jozué, o agiota Alfredinho Trinta Por Cento passou a temer o pior, suar frio e se mijar nas calças todas as vezes que pensava em encontrá-lo numa dessas esquinas da vida. O seu medo maior era que ele soubesse quem havia gasto uma fortuna com a sua condenação e agora querer procurar vingança.
Em tempos de dar um chilique, o agiota procurou o deputado, que reclamando de alguns valores ainda não repassados, disse que não poderia fazer mais nada, ao menos por enquanto. Logicamente até que lhe fosse pago o restante do débito. Alfredinho argumentou que quem estava devendo era ele de empréstimos para outras campanhas, e então se instalou um impasse.
Iniciando-se uma calorosa discussão acerca de quem devia a quem, verdade é que o agiota acabou sendo expulso, sob ameaças de reprimendas maiores, do gabinete do parlamentar. Diante do prédio da assembleia, nervoso, sentindo-se afrontado na sua honra de usurário, de homem aproveitador das precisões alheias, disse a si mesmo que o outro lhe pagaria mais essa desfeita, enquanto olhava de um lado pra outro pra ver se algum estranho lhe olhava diferente. Em seguida resolveu ir se socorrer do advogado Auto Valente.
E foi pior. Quando disse ao advogado que alguma coisa tinha de ser feita urgentemente para Jozué voltar à penitenciária, sob pena de querer se vingar de todos os envolvidos na sua absurda condenação, ouviu do causídico algo que lhe fez estremecer totalmente, avermelhar dos pés à cabeça, ter de se segurar numa cadeira para não desmaiar:
“Se eu fosse você, Alfredinho, além de pagar o acertado com o deputado e esquecer de vez que ele lhe deve alguma coisa de empréstimos passados, me preocuparia muito mais era com outra coisa. E essa coisa não diz respeito ao coitado do rapaz que foi solto não, pois essa mosca morta não será capaz de assustar nem a própria sombra, mas sim com uma denúncia que a qualquer momento poderá estourar nas manchetes dos jornais, e o seu nome certamente aparecerá por lá como um dos envolvidos. Já sabem que você pagou, e bem pago, ainda que reste alguma coisa a resolver, pela condenação de um inocente para acobertar o verdadeiro bandido que é o seu filho. Ele é quem deveria ser preso no lugar do outro Jozué, lembra? Pois meu caro salafrário, não sei bem como, mas a verdade é que um dossiê sobre o caso da venda de sentenças e condenação de inocentes chegou às mãos de um jornalista, e este a qualquer momento poderá publicá-lo, contando timtimtim por timtimtim e citando um a um os nomes dos envolvidos, desde o juiz corrupto ao meu, incluindo-se o seu e o do seu filho, o bandidinho acobertado pelo bandidão do pai. E depois disso só Deus saberá o que vai acontecer. Mas lhe asseguro que a partir dessa denúncia você ficará em maus lençóis, pois irão investigar tudo o que for de ilicitude que andou e que anda praticanndo, e a consequencia disso certamente não será das melhores. E o seu filho, que já deveria estar preso, certamente...”.
E foi interrompido por um grito do agiota, que levando a mão ao peito gritou: “Não, prender o meu Josuézinho não!...” E caiu morto, arroxeado, todo torto. E imediatamente Auto Valente, antes mesmo de tomar qualquer providência para avisar aos órgãos competentes para a remoção do corpo, ficou pensativo acerca da sequencia de mortes envolvendo também o lado de cá, o lado culpado pela trama condenatória, e da qual ele fazia parte. E logo lhe veio a mente o juiz enlouquecido, o empresário se atirando da janela e agora o agiota fulminado por um ataque do coração. Mas se quisesse também poderia visualizar as vítimas inocentes, assim como Paulo, Dona Leontina, Dona Glorita, Carmen...
Acerca da soltura de Jozué, realmente tanto ele como o deputado inicialmente temeram sobre um possível perigo que aquele rapaz poderia significar estando em liberdade. Se ainda estivesse com as faculdades mentais normalizadas, pensasse criticamente no que haviam feito com ele para que ficasse tanto tempo preso, pagando na pele e na alma por algo que não merecia, até que poderia representar uma ameaça.
Contudo, mesmo tendo consciência de ter sido condenado sem dever nada à justiça, certamente não sabia quem estava envolvido na sua condenação, quem estava por trás de atitudes tão desumanas e o que havia motivado ação tão nefasta. Assim, na concepção do advogado, diante da denúncia que poderia estourar a qualquer momento, o fato de Jozué estar em liberdade representava o mínimo perigo.
Por outro lado, por não saber o que havia motivado a soltura do rapaz nem da existência do dossiê nas mãos do jornalista, assim que o deputado Serapião tomou conhecimento do fato logo se encheu de espanto e preocupação. Ora, se aquele indivíduo procurasse saber quem estava por trás de sua condenação, e se tivesse meios para se vingar, logicamente que não pensaria duas vezes. E tal vingança recairia também sobre ele.
O simples fato dessa preocupação do deputado acarretou noutro grave problema para o advogado resolver, e sem ter como. Pensava em dizer que o rapaz não representava perigo algum, principalmente diante do que poderia surgir a qualquer momento, enlameando e envolvendo destrutivamente, e de uma vez por todas, o nome de todos daquela verdadeira máfia. O deputado ainda não tinha conhecimento de nada disso, nem do dossiê e nem da possível publicação das denúncias. Temia também por sua reação.
Auto Valente achou melhor então continuar em silêncio sobre o mais importante e perigoso, que era falar sobre a denúncia bombástica que estaria por vir. E para não se distanciar da preocupação do outro, deu-lhe apenas a ideia de que seria bom contratar alguém para saber onde Jozué se encontrava, seguir-lhe os passos e saber se mantinha atitudes suspeitas e perigosas.
E foi prontamente acatado pelo parlamentar.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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