ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: NO TEMPO DA INOCÊNCIA
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Por mais difícil que seja acreditar, mas houve um tempo que era tido como tempo da inocência.
Menino malino se escondia nas moitas perto do riachinho para ver a mocinha tomando banho de roupa e tudo. Que cena inesquecível, o vestido colado ao corpo molhado, acentuando suas curvas, causando arrepios.
Para ver a mulher nua só depois de casado e uns dez dias depois, pois antes disso devia se contentar em tocar a pele na escuridão da noite, procurando a geografia do corpo num verdadeiro trabalho de arqueologia.
Namorar sempre foi bom demais, mas naquele tempo dava um trabalho danado, principalmente porque os dois tinham de se contentar em apenas dizer que estavam juntos, porém sem o beijo, sem o abraço mais apertado, sem as malícias das mãos e pensamentos.
Namorar só se fosse na presença do pai ou da mãe da mocinha. Colocavam-se duas cadeiras na varanda, e sentada em outra um pouco mais afastada ficava a senhora olhando pelo canto do olho, fingindo que cochilava para pigarrear se sentisse uma mão boba procurando a perna do outro.
Naquele tempo, no tempo da inocência, os presentinhos eram bem mais simples e muito mais significativos. Podia ser uma cuia de araçá, uma mão de milho verde, uma melancia, um buquê de flores do campo, três metros infestados de chita colorida, um perfume Toque de Amor ou Carisma.
Mulher gostava de ler revista de artista, de cantores do rádio, de novelas em fotografias. Aliás , nunca mais vi revista com novela em fotografia, mostrando passo a passo o desenrolar de uma impossível paixão, para no final se ter sempre que foram felizes para sempre.
Certa feita, como já não tinha mais o que fazer para vencer aquela barreira do coraçãozinho endurecido, o rapaz comprou um rádio de pilha e mandou entregar na casa dela, com um bilhete dizendo que se possível ouvisse ao sábado tal programa. Sem saber o que aconteceria, ela chorou ao ouvir o locutor oferecendo “uma página musical de um coração apaixonado para sua bem amada”.
E disse o nome dela e o dele. E foram felizes para sempre...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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