COM O DEDO NO GATILHO
Rangel Alves da Costa*
José para os que não sabiam; Zezão para os que conheciam a fama; ou simplesmente Jagunço, bandido maior desalmado, cabra covarde que só mata na tocaiagem.
Recebeu dois dinheiros pra fazer o serviço. Pra ser dois dinheiros tinha de ser bem feito mesmo, pois já estava acostumado a matar por qualquer derréis, qualquer luarado de nica, qualquer vintém ensangüentado.
E se era dois dinheiros então o cabra que ia cair devia ser dos mais importantes, da mesma estirpe e inimigo do coronel, gente usando do mesmo linho branco e fumando do mesmo charuto importado. Haveria de gostar de uma raparigagem francesa também.
Mas quando soube quem ia matar quase dá um revertério da moléstia. O coronel Tiberiano lhe chamou num canto e segredou que no romper do dia Querêncio já devia tá com a cara virada pro chão pedregoso, ferido de morte com um tiro na testa.
O problema se danou ainda mais porque o coronel, já sabendo que todo homem fraqueja quando sabe que o que vai matar é um inocente desvalido, foi logo lhe jogando nas ventas que ou fazia o serviço bem feito, sem pestanejar, ou um cascavel raivoso lhe morderia o calcanhar.
Tava dado o recado. Se não matasse podia ter a certeza de amanhecer estrebuchado, irreconhecível na festa das formigas.
E Zezão saiu da casa grande sem saber o que fazer. Conhecia Querêncio demais, era até seu amigo, homem trabalhador e honesto, que não gostava dessas coisas de violência, pobre Jó, a única riqueza que tinha era seu cercadinho de terra, a mulher lanhada de sol e de tempo e uma filha linda, Lindoca, moça de beleza sem igual por todo esse arriba mundo.
E por que tocaiar o homem pra matar assim, atirando num inocente como se tenta acertar num inimigo feroz? Sobre a valentia do homem, a única coisa que sabia é que tinha expulsado o coronel da porta de casa porque tinha ido até ali oferecer presente a Lindoca.
Então era isso, Lindoca. Matando o pai, certamente fraquejava a família miúda e ficava mais fácil lançar mão da inocência virginal da mocinha. Mas que velho safado o coronel, já pai de ninhada, avô e ainda querendo dizer que tinha fogo entre as pernas pra deitar a bela Lindoca no capinzal.
Mas era o homem ou ele. Então achou melhor esquecer que ao menos o conhecia e foi deitar pra acordar pronto pra fazer o trabalho. Sabia que toda de manhãzinha ele corria pra tirar leite da vaquinha, então era só se amoitar por detrás de um tufo de mataria e apertar o gatilho.
Assim pensado, planejado, e assim feito. Ou quase. Chegou ainda no madrugar perto da tapera do homem, caminhou sorrateiramente pelos arredores até encontrar o melhor lugar e a melhor posição. Achou uma moita graúda por onde ele teria de passar e ficou por ali querendo assuntar no pensamento qualquer outra coisa, menos o que ia ter de fazer dali há pouco.
Como ainda estava escurecido, passou a mão pelos olhos e não quis acreditar quando viu passar um vulto montado a cavalo e em seguida um tiro ser disparado e a miragem cair pelo chão. Em seguida viu como se fosse uma pessoa caminhando tranquilamente e ser alvejado por dois disparos saídos daquela moita de onde estava.
E foram passando outros e outros, sendo atingidos e caindo mortos, ainda que no minuto seguinte não restasse nem sinal de qualquer corpo caído. Por fim, viu claramente um homem passando e de repente se virar para o lado da moita onde estava. Gelou dos pés à cabeça, os dedos enrijeceram, ficou completamente desnorteado, pois teve a certeza de que o indivíduo que o olhava não era outro senão ele mesmo.
E o pior aconteceu na voz que ouviu: “Todos aqueles foram suas vítimas e agora chegou sua hora. Teria coragem de atirar?”. Como pensou duas vezes, no momento seguinte o corpo já estava jogado no chão, sangrando.
E que coisa mais feia ele próprio morto daquele jeito.
Em seguida baixou a cabeça, jogou a arma no tufo da mataria e saiu sem destino, passando por cima de pau e pedra como se andasse em tapete. Totalmente enlouquecido.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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