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terça-feira, 15 de novembro de 2011

QUANDO SE NAMORAVA (Crônica)

QUANDO SE NAMORAVA

                                   Rangel Alves da Costa*


Hoje podem dar o nome que quiserem, bagaçada como ficar, curtir, chamego, agarração, pernoitar, rolar ou seja lá o que for, mas nem perto chegará mais do que seja namoro. Não esquecendo o conservadorismo ainda existente em poucos e escondidos rincões interioranos, verdade é que a relação que se conhecia como namorar não existe mais.
O que se faz hoje numa noite, a partir do primeiro encontro, muitas vezes sem conhecer o outro nem saber o seu nome, nos tempos mais antigos durava a eternidade própria do amor. Não significa, contudo, que não se namore mais. Não. Mas não se pode negar que a relação que se satisfaz com um momento não se dissocia em nada com as promessas da prostituição.
Ninguém venha me dizer que se pode denominar namoro esses encontros casuais, essas entregas fortuitas, esses gostos momentâneos. Olha no olho do outro, chama logo para o abraço e o beijo, e com os corpos já desconformes se entregam ao prazer mais vulgar. Basta ver que muitas mocinhas até apostam quantas bocas vão beijar numa noite e com quantos vão conseguir transar.
Outras, que sempre encontram outros à espreita, fazem da relação amorosa uma brincadeira, um joguete descompromissado com a própria honra. E ficam uma semana com um, outros dias com outro e de repente não conseguem mais quem se habilite a ter uma relação séria chamada namoro. Ora, depois de fazer a fama na lama, dificilmente outros irão encontrar quem acredite nas suas virtudes angelicais.
É por isso mesmo que suas mães, mas principalmente as pessoas mais velhas, se espantam e custam acreditar nessa brincadeira de entrega que os jovens chamam de namorar. É que muitos ainda lembram-se do significado de uma relação, do tempo que se gasta para o coração acertar seu destino, do respeito e do distanciamento necessários a quem deseja viver unido ao outro para sempre.
Não faz muito tempo que as mocinhas se preocupavam muito com aquele jovem que estava gostando e cujo namoro levaria ao conhecimento dos pais. Por isso mesmo que sabendo que os seus genitores não aceitariam qualquer um na sua porta nem na companhia da filha, logo tomavam o máximo cuidado antes de expressar uma palavra de esperança. A luta era árdua para não fazer uma escolha errada.
Era um tempo de cartas e cartinhas românticas, de bilhetinhos cheirando a jasmim, de versos e trovas cantando e decantando a paixão, de caixinhas de bombons e doces apetitosos, de lembrancinhas cuidadosamente embrulhadas em papel colorido e enfeitado. Havia confiança dos pais, pois sabiam que aquele jovem, cuja linhagem familiar, ainda que empobrecida, já era conhecida, não ultrapassaria os limites da decência e da moral. O recato familiar era extensivo ao relacionamento amoroso da filha.
E isto num passado recente, pois noutros tempos mais antigos, namorar significava apenas o encontro noturno na casa dos pais da mocinha, que sentada junto ao rapaz em duas cadeiras ladeadas, se via constantemente vigiada pelos olhos da mãe fingindo fazer crochê. Nada de beijo, de abraços, de olhar nas pernas dela se o vestido estivesse acima do joelho.
Por isso mesmo é que os rapazes pareciam sedentos nesses momentos, pois pedindo um copo d’água à futura sogra, aproveitavam a ocasião para o beijo ligeiramente roubado, para a mão deslizar acima do joelho. E que coisa mais terrível se o velho encontrasse os dois num abraço apertado ou com os lábios colados um no outro. Marcava na hora a data do casamento. E coitado do rapaz que não aceitasse no mesmo instante.
E depois da meia-noite, quando todos imaginavam a vida no silencioso negrume, eis que surge o cantador apaixonado, carregando uma flor no bolso e de violão em punho para a seresta enamorada. E a mocinha corria para perto da janela, com o coração dilacerado porque se abrisse o vão estaria retribuindo a cantiga do amor do rapaz. Mas se não abrisse ficaria aos prantos, prazerosa de ser tão amada, porém impedida de erguer as mãos para receber a flor que era jogada.
E por trás de outras janelas os amores se faziam em silêncio. Em gritos que somente os casais ouviam. Mas abra a janela mocinha, e ouça: “Lua, manda tua luz prateada despertar a minha amada/ Quero matar meus desejos/ Sufocá-la com meus beijos/ Canto e a mulher que eu amo tanto não me escuta, está dormindo/ Canto e por fim nem a lua tem pena de mim/ Pois ao ver que quem te chama sou eu entre a neblina se escondeu...”.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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