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terça-feira, 8 de novembro de 2011

UM NOBRE CAVALEIRO DO SOL (Crônica)

UM NOBRE CAVALEIRO DO SOL

                                                Rangel Alves da Costa*


A fama do homem corria sertão adentro, descia montanhas, entrecortava veredas, chegava de porta em porta. E todo mundo falava e cantava as proezas do nobre cavaleiro do sol.
Coronel Luizito Pantoja certa feita incumbiu três emissários para cobrir os quatro cantos, seguir o rastro do homem e dizer que o senhor de terra e gente precisava muito recebê-lo para uma baforada de charuto, uma boa pinga e um proseado.
Virgulino Ferreira da Silva, o Capitão Lampião, assim que ouviu da boca dos cangaceiros sobre as muitas qualidades do homem, nem pensou duas vezes. Mandou chamar o coiteiro Mané Félix e lhe deu a incumbência de encontrá-lo e entregar um bilhete. Não era convite pra fazer parte do bando não, mas um singelo pedido pra um encontro amigueiro assim que o bando estivesse do lado de cá do rio.
As meninas do cabaré da Madame Sofie, o mais afamado de toda região nordestina, bastavam ouvir o nome do homem e ficavam quase aos prantos. Romanticamente aflitas, começavam a perguntar se era verdade mesmo que o mais desejado de todos iria entrar por aquela porta e, na réstia da luz vermelha, fazê-las suspirar por um beijo, uma aproximação qualquer e, num sonho imenso, quem sabe subir na garupa do seu cavalo e nunca mais abrir as pernas pra outro homem.
Coisa de mais de uma vez, mas o velho padre do lugar já havia citado o nome do homem nos seus sermões, e sempre para citá-lo como exemplo a ser seguido pelos que lutam por dias melhores, pelos que levam a vida em busca de uma sociedade mais justa, pelos que não se amedrontam e não retrocedem diante das adversidades. Certa feita comparou-o ao Josué bíblico guiando o seu povo em direção à terra prometida.
Mulher casada chegava a suspirar e desmaiar apenas ouvindo o seu nome; o prefeito já havia, providencialmente, enviado a filha única para estudar na capital, vez que não se falava outra coisa senão na sua enlouquecida paixão pelo nobre cavaleiro. Uma solteira desguarnecida de outros braços e de esperanças não saía da janela, olhando ao longe, sonhando em ouvir um tropel, de caderninho à mão escrevendo poemas de incontido amor.
Corria um boato nas cidades da região que o cavaleiro do sol era pai de mais de mais de uma centena de filhos. Ninguém sabe se verdade ou mentira, pura sem-vergonhice das mocinhas, mas toda vez que uma aparecia buchuda logo dizia que era ele o pai. E tinha gente que jurava de pé junto, até mesmo idosa de se acreditar, que já tinha visto o homem muitas vezes por ali, em noites fechadas, de pouca lua, pulando janelas para os amores proibidos.
Foi por isso que mais de um já havia largado, se separado da esposa. Com o pensamento no bom cavaleiro, e certamente noutras virtudes, mulher chegava a deixar a comida queimar, colocava sal onde caberia açúcar, chamava pelo seu nome embaixo dos lençóis, assustando o marido corneado em pensamento. Certa feita um deixou uma espingarda carregada debaixo da cama; outro deixava a mulher deitada em suores de fogo e ia se esconder por trás das moitas, na certeza que naquela noite ele não sairia vivo de lá. Mas nunca viram nem sombra do homem.
E não viam porque o nobre cavaleiro do sol não estava nem preocupado com essas futricagens, com essas coisinhas miúdas, de fofocagem e disse-me-disse. Era verdadeiramente nobre, e na sua nobreza não se permitia senão ser lembrado apenas como aquele que não precisava estar no meio do povo para que todos conhecessem suas intenções.
Seu objetivo maior era servir de exemplo a todos que lutavam contra as injustiças sociais, contra a submissão dos poderosos perante os mais desvalidos, contra a pobreza batendo a porta e entrando na cozinha da grande maioria, enquanto a minoria cantava vitória e acumulava poder e riqueza com o suor dos enfraquecidos. Mas quem seria esse homem, esse nobre cavaleiro do sol?
Ninguém sabe ao certo o seu nome. Uns diziam que era Pedro, outro afirmava ser João, já outro tinha certeza que era Antonio. Teria diferença ser um nome ou outro, ou o homem se faz pela ação, pelo destemor, pelo que quer de melhor? Mas sei o seu nome verdadeiro, e só não vou dizer agora porque também sei que existem muitos iguais a ele nessa imensidão sertaneja.
Por isso digo que todo bom sertanejo, todo aquele que não se contenta apenas com um único aboio, mas com um cantar maior de luta e de perseverança será sempre visto como nobre, um nobre cavaleiro do sol.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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