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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 94 (Conto)

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 94

                                          Rangel Alves da Costa*


Enquanto Jozué, reincidente, ainda que inocente na primeira condenação, começava a pagar pelos crimes verdadeiramente cometidos na mesma penitenciária de passagem que já conhecia tão bem, o causídico Auto Valente pensava na possibilidade de condenação.
Ainda que advogado, o crime de monta que tencionava cometer, assassinando um deputado, seria certeza de condenação e mais tarde, quando a sentença transitasse em julgado, cumpriria a pena definitiva talvez na mesma penitenciária para onde Jozué havia sido jogado depois da transferência. Lá também seria o destino de Paulo se não tivesse sido covardemente morto ainda na penitenciária de passagem.
E ficava imaginando ter de pagar na mesma moeda pelos erros cometidos contra inocentes. Paulo e Jozué haviam sido condenados, apenados e esquecidos no lixo prisional pela sua direta participação, também por sua reconhecida culpa. Com ele agora seria diferente, vez que agiria dolosamente, com o único e primordial intuito de matar um verme asqueroso, ainda que fosse deputado.
Levado a júri, dificilmente defendido por um criminalista experiente, vez que não teria condições de gastar fortunas com sua defesa, certamente pegaria pena máxima. E tudo seria a seu desfavor: a comoção social diante de qualquer assassinato, ainda que o morto seja um cruel assassino, o nome do parlamento que havia sido ferido com a morte brutal e injustificada de um de seus membros, a lei que tomaria o nome do morto e por isso mesmo seria impiedosa. E daí o cumprimento da pena em definitivo, passando a ser o mesmo rato imundo que aqueles que havia ajudado a colocar por lá.
Mas não havia como ser diferente, pensava o advogado, agora escondido num quartinho de pousada de periferia. Havia sido o melhor lugar, ainda que não mais seguro, para tentar fugir das garras cruéis do seu ex-chefe mafioso. Ex não, atual, pois tudo continuava como antes, ainda que cada um tivesse seus motivos para eliminar o outro e estivesse planejando neste sentido.
E não havia como ser diferente porque sabia que ou matava ou seria um homem morto a mando daquele pistoleiro de gravata e tribuna. Talvez não conseguisse fugir depois do ato criminoso, talvez fosse logo jogado na penitenciária de passagem, pois nenhuma entidade de advogados iria se submeter a ficar mal vista socialmente se tentasse interferir em defesa do seu membro.
O processo correria em ventania e logo seu destino estaria selado. Mas não demoraria muito cumprindo pena, pois progrediria de regime e usaria de todos os artifícios legais para ser logo colocado em liberdade. O problema é que depois de condenado perderia sua inscrição na entidade de advogados, não poderia mais advogar sequer em causa própria e teria de se submeter aos auspícios morosos da defensoria pública criminal.
Contudo, um fato seria certo e isto nada nem ninguém poderia mudar, continuava dizendo a si mesmo Auto Valente. Nada no mundo poderia trazer de volta debaixo da terra, do inferno mais impiedoso onde estivesse sendo sacrificado, aquele bandido nojento, aquele vil e desprezível homem, que era o deputado Serapião. Ele sofreria, mas voltaria, enquanto o deputado teria o sofrimento eterno mais que merecido.
Pagaria caro, sofreria na própria pele por tantos erros cometidos a mando do outro, mas este também amargaria a dor de ser atingido por tiros, sentir o sangue jorrando pela boca e ouvidos, se tornar um verme putrefato de uma hora pra outra. A morte, o simples ato de dar fim à vida do safado corrupto, já justificava a dor e o sofrimento que passaria na penitenciária.
Escreveu uma longa carta, nela explicitou pormenorizadamente todos os bens que possuía, os locais onde poderiam ser encontrados; afirmou sobre a destinação que deveriam dar a eles e depois colocou os papéis num envelope, endereçou-o em nome de alguém que ninguém sabia quem era e colocou em cima da mesinha do quarto. Só iria postá-la na manhã do dia que fosse dar fim à vida do calhorda.
Aliás, sobre isso já tinha também planejado tudo. Na véspera havia adquirido uma arma potente, automática, silenciosa, de calibre mortal com um único tiro; sabia cada passo que daria, o local onde encontraria a vileza em pessoa e até a posição do ataque, do desferimento dos tiros. Com o veículo estacionado adiante, sairia rapidamente no local e empreenderia fuga. Mas isto somente se a sorte lhe ajudasse. E depois da fuga tudo continuava ainda como uma grande incógnita.
Fugir depois da prática de tal crime seria muito difícil, principalmente porque não iria longe diante do cerco impiedoso que seria colocado em prática. E se fosse alcançado também já sabia cada passo do seu destino até pelo menos os próximos cinco anos. Depois refazer a vida, refazer tudo novamente.
Mas de repente lhe veio à mente uma medonha possibilidade: sairia vivo da penitenciária, conseguiria se tornar um bandido qualquer em meio a outros bandidos perigosos para não pagar na pele sua condição de advogado corrupto, desonesto, que havia ajudado na condenação de pessoas? E se encontrasse Jozué por lá, qual seria a reação dele se soubesse que ele era o mesmo advogado que o havia colocado ali?
Tomou uma dose dupla de uísque e sentou na cama, com as mãos ladeando a cabeça baixa, pensativo, angustiado. Atormentado e aflito demais. Não sabia, mas certamente, bastando sentir essa dor corroer-lhe, já estava pagando na terra por tanto mal cometido.

                                                      continua...






Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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