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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

INIMIGAS DE FOGO A SANGUE (Crônica)

INIMIGAS DE FOGO A SANGUE

                                                 Rangel Alves da Costa*


As duas nasceram na mesma cidadezinha, brincaram e cresceram juntas, e por isso mesmo ninguém era doido falar mal de uma pra outra não defendê-la, atacando e logo chamando a ofensora de mentirosa, salafrária, safada. Se falasse da amiga, se preparasse para ouvir.
Assim, era uma amizade que parecia eterna, com ninguém dessa terra que conseguisse separá-las. Mas conseguiram. Por uma verdadeira besteira, mas conseguiram. E não foi gente não, mas apenas um sonho. Um sonho mesmo, desses que as pessoas adormecem e têm de vez em quando.
Fato é que o tempo passava e nada de nenhuma das duas conseguir namorado. A situação já estava ficando tão preocupante que chegavam a acender velas para todos os santos, fazer promessas para o santo casamenteiro, que é Santo Antonio, e não perder uma tarde sentadas na praça, de livrinho qualquer na mão, mas com os olhos passeando em busca de solitários, e muitas vezes nem tanto.
As táticas que passaram a usar eram realmente inusitadas. Enquanto uma escrevia versos apaixonados e pagava a um garotinho para entregá-los ao pretendido, a outra fazia compotas e mais compotas de doces, colocando-os em pequenos vasilhames e enviando como presentes despretensiosos para os moços bonitos.
E não somente isso, pois uma achou de quase todo mês fazer aniversário – e sempre com uma idade bem abaixo da que tinha – e mandar convite apenas para que um escolhido desse a honra de comparecer à sua casa para tomar um licor e apreciar quitutes especialmente preparados pelas mãos de fada.
Já a outra inventou de pagar a uma vizinha fofoqueira para que ficasse espalhando pela cidade que ela estava namorando com esse ou aquele. A intenção era que alguma dessas mentiras se tornasse verdade. E só mandava inventar a tal história com homem bonito.
Mas não foi nada disso que conseguiu abalar a amizade das duas, que continuava firme na dor da solteirice, na desilusão amorosa e no coração solitário. Como já afirmado, o que causou a desavença toda foi um sonho. Melhor dizendo, os sonhos, pois o sonho de cada uma quase provoca uma terceira guerra mundial.
Tudo começou quando uma, logo ao amanhecer, foi até a casa da outra contar sobre um sonho maravilhoso que tivera, e segundo o seu livreto de desvendamento de quimeras, só poderia ser sinal de que um grande e verdadeiro amor estaria batendo à porta. E disse que havia sonhado com um homem lindo, alto, moreno, musculoso, de olhos azuis.
E foi quando a outra perguntou se o tal homem do sonho era solteiro, pois também havia sonhado com um homem lindo, alto, louro, todo malhado e ainda por cima solteiro. E disse que o seu livrinho indicava amor na certa e pra casamento, pois o rapaz do sonho era solteiro. E o da outra não...
Despediram-se já um pouco diferentes, um tanto enraivecidas. E no dia seguinte, mais cedo ainda, a sonhadora retornou à casa da agora quase desafeta para dizer que o mesmo sonho tinha vindo novamente só pra dizer que o rapaz era solteiro e que estava apaixonado por uma moça com o mesmo nome dela. Mandou um beijo no sonho e até tentou soprar calor no seu cangote.
E por que a ex-amiga foi dizer isso? No mesmo instante a outra retrucou e disse que sonho que valia era o dela porque já vinha com o nome do rapaz e tudo, como tinha acontecido naquela madrugada, e que no próximo sonhar ele já ia marcar um encontro mais íntimo. E depois, para total espanto, chamou a outra de falsificadora de sonhos e de mulher pesadelo.
O tempo fechou de uma forma que foi preciso vizinhos acorrendo para evitar o pior. Uma chamava a outra de lambisgóia, tribufú e bacalhau seco; enquanto a outra esculhambava chamando de moça velha desesperada, tacho sem fundo e rampeira. E muito mais coisas impublicáveis, cabeludas mesmas.
Desse dia em diante nem na porta de uma a outra passava. Mas coitadas, nem uma nem outra conseguia um sonho sequer, pois passava a noite inteirinha com a insônia própria das que ficam se abanando de um lado para o outro tentando baixar o fogo da solteirice e da encalhação.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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