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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A PORTA DA FRENTE E A PORTA DE TRÁS (Crônica)

A PORTA DA FRENTE E A PORTA DE TRÁS

                                Rangel Alves da Costa*


Geralmente todas são feitas de madeira, cedro, jacarandá, umburana ou outra árvore qualquer, envernizadas ou não, possuindo ferrolhos e fechaduras, chaves e dobradiças, e estão colocadas em caixilhos, nas aberturas das paredes, tendo abaixo a soleira. As portas das casas são geralmente assim.
Nas casas, são duas as portas principais, estando uma colocada à entrada, na parede que separa a sala de entrada e a rua, e outra na parte dos fundos, na cozinha, levando diretamente ao quintal, muro ou espaço qualquer. Até aí tudo bem, pois a função das duas é quase a mesma, pois permitem a saída e a entrada na casa.
Contudo, os dois mundos que são avistados assim que se abre uma ou outra porta são muito diferentes. Verdade é que a casa está em só lugar, num mesmo endereço, mas a parte da frente, a partir da porta da frente, é infinitamente diferente do que se tem na parte de trás, após a porta dos fundos. E tal diferença é tanta que se poderia dizer que são dois mundos diferentes.
A porta da frente é socializada, geralmente permite acesso a todos. Pessoas estranhas à família passam, olham, podem chamar e entrar. Do mesmo modo os visitantes a ela recorrem quando se despedem e vão embora. Nela bate o carteiro, o pedinte, o menino que veio dar um recado, a mulher das frutas, o homem do queijo, a vizinha que não tem o que fazer. Lá dentro, pelo simples ato de abri-la, já está em contato direto com o mundo lá fora.
A porta de trás é meramente familiar, possui raiz e história, possui segredos que só os da casa conhecem. Nenhum estranho vai entrando na casa e segue diretamente até a porta dos fundos, por isso mesmo é preciso ter familiaridade com aquele vão que geralmente fica bem próximo à cozinha, às panelas, à vida privada da família. A partir dela não se tem a movimentação da rua, mas simplesmente a tranquilidade que toda casa deveria ter.
Entretanto, a grande diferença existente entre as duas não reside na localização nem o acesso que se tem através delas, mas algo como uma feição de vida e de morte, de encantamento e desilusão, de sonho e pesadelo, de alegria e tristeza. Mas por que, se são apenas duas portas, colocadas em paredes e igualmente de paredes?
Ora, simplesmente porque a porta da frente convive diretamente com tudo que seja bom ou ruim, festanças e tragédias, surpresas e espantos, inesperados e acontecidos. A pessoa que abre essa porta não pode fugir da realidade do mundo lá fora, não pode trancá-la novamente e assim fugir da dor, da tristeza, do desespero. Ali fora está tudo tão visível, contundente e claro que não há como fugir da realidade.
Os carros passam velozes, as pessoas andam apressadas, há um barulho ensurdecedor, o asfalto queimando deixa a poeira passar por cima e buscar qualquer fresta, o vendedor passa anunciando, há o grito, há a violência, há o medo, há tudo de ruim que se possa avistar. Dificilmente passa a bandinha tocando, o palhaço anunciando que hoje é dia de circo, multidões em festa. É a porta do espanto, do inesperado e do inevitável.
Já com a porta de trás tudo é muito diferente, tudo muda como a água e o vinho. Ao anoitecer, abrir essa porta significa encontrar um clima agradável, ainda ouvir sons da natureza, a lua bonita brilhando lá em cima, uma paz necessária. E a qualquer hora do dia se tem o contato com a natureza, com o pé de mamão e de manga, as hortaliças verdejantes na horta, as plantas medicinais dispostas nos seus canteiros.
A família abre essa porta e vai festejar o aniversário no quintal, faz um churrasco, coloca uma mesinha no centro do quintal, debaixo da goiabeira e começa a prosear, triscando uma pilombeta e tomando uma pinga da boa, saboreando a cerveja e levando o som da viola na ponta dos dedos. Ali se tira a camisa, toma banho debaixo da bica, corre atrás da galinha, colhe os ovos quentinhos. Atrás dessa porta há uma vida familiar, um contato com um mundo bucólico e essencial, uma paz imensa que não se consegue em outro lugar da casa.
Por tudo isso, entro pela porta da frente, mas vou correndo abrir a porta de trás. E logo vejo uma mangueira, logo ouço o galo cantando, logo sinto a vida chamando.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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