NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - Final
Rangel Alves da Costa*
Quais as consequencias de uma injustiça praticada contra inocentes?
O judiciário, na sua ramificação julgadora, tem o direito de desvirtuar-se dos ditames primordiais da Justiça, e fazer das sentenças um joguete nas mãos de magistrados corruptos e desumanos?
O povo não teria culpa em escolher e manter no parlamento pessoas sem credibilidade, sem nenhum compromisso com a moral e a ética, fazendo do exercício de suas funções um verdadeiro lamaçal?
As entidades da classe advocatícia não teriam que manter maior vigilância sobre os profissionais do direito, de modo que a sociedade ficasse prevenida contra aqueles que fazem do exercício profissional uma verdadeira brincadeira de mau gosto com seus clientes?
A promotoria, a classe empresarial, a sociedade enfim, merece ser tão aviltada pela ação de pessoas irresponsáveis e cuja qualificação maior é tentar tirar proveito de tudo, em detrimento do respeito ao próximo e da sua liberdade?
Que fim teria levado a honra, a dignidade, a integridade, o respeito, a moral, a ética, os bons costumes, as virtudes primordiais do ser humano?
Quanto vale o ser humano diante do poder, da ambição, da corrupção, da tentativa de acusar a todo custo e condenar inocentes no lugar de verdadeiros culpados?
Quais as conseqüências advindas do simples fato de se condenar inocentes em lugar de culpados?
Dos que lutaram a favor da justiça morreram Dona Leontina, Dona Glorita, Dr. Céspedes Escobar, Paulo, Carmen e seu pai.
Dos promoventes da injustiça, da condenação a todo custo, morreram Alfredinho Trinta Por Cento e o empresário; o juiz sentenciante ficou completamente enlouquecido. E os outros? O irmão do empresário, também juiz criminal, agora está na mesma vara onde o joguete fora feito e as sentenças prolatadas. Seu sonho maior é se tornar desembargador, pois tem a máxima certeza que conta com os requisitos essenciais para tal investidura. Será?
E os outros? E o causídico Auto Valente e o Deputado Serapião Procópio? Verdade é que o deputado já planejou a morte do advogado, e este daquele. E quem se livrará da morte, matando o outro primeiro?
Passando poucos minutos das nove horas da manhã, e o advogado já estava rondando a assembleia legislativa. Estava armado e decidido a acabar de vez com a vida do ex-amigo, ex-patrão, ex-farinha do mesmo saco.
Já estava diante do prédio do legislativo quando o veículo do deputado despontou adiante. O carro se aproximou e Serapião Procópio desceu, todo cheio de terno e quinquilharias, com os cabelos pintados de preto naquela manhã e fixados reluzentemente à base de brilhantina.
Encaminhou-se para a entrada do prédio, mas antes de colocar um dos pés numa pequena rampa, avistou o advogado que vinha em sua direção. Achou estranho o brilho no olhar do outro, porém não teve tempo de indagar sobre nada.
O advogado Auto Valente, numa distância de cerca de três metros, acertou um tiro em cheio no coração do parlamentar. Apenas um tiro no coração e o homem já caiu morto, sem esboçar qualquer reação, sem dizer uma palavra sequer.
Tentou sair do local correndo, porém foi atingido por um tiro no pé, disparado por um segurança. Esse disparo atingiu um nervo de tal forma que nunca mais o causídico andaria normalmente.
Algum tempo depois, sempre manquejando, foi levado para a penitenciária de passagem. Já havia sido julgado e condenado, esperando apenas ser transferido para cumprir pena definitiva por homicídio em regime fechado.
Ali dentro, tentando a todo custo evitar aproximação com os outros presidiários, pois temia uma reação negativa se soubessem que era advogado, não pôde, contudo, deixar de procurar um rapaz para propor um acordo de proteção.
Aproximou-se do rapaz e perguntou pelo nome. Este respondeu que Jozué. Prontamente o outro indagou se era Jozué Miguel dos Santos. Respondeu sim e perguntou por que sabia o seu nome.
“Nada, por nada, apenas porque acho que já ouvi uma história sobre um Jozué Miguel dos Santos que havia sido preso inocentemente e cumprido pena em penitenciária”, completou Auto Valente. E foi a vez de Jozué dizer:
“Foi assim mesmo. E tudo começou com um advogado safado chamado Auto Valente. Se não for perguntar demais, como é o seu nome?”.
“Ah, sim, meu nome? Agora pouco importa, esqueça. Me chame do que quiser, já que estamos no mesmo destino”.
Mas um dia um agente prisional soprou no ouvido de Jozué que no meio daqueles presidiários havia um advogado e o seu nome era Auto Valente. Este deu um largo sorriso, agradeceu ao funcionário e saiu em busca do outro.
Encontrou-o se escondendo dos outros presidiários, pois parecia temê-los mais que tudo na vida. Então Jozué falou para que ouvisse:
“Dr. Auto Valente, esse é o seu nome, não é mesmo? Lembra que você foi meu advogado e por sua culpa estou aqui e sou o que sou hoje?”.
O homem baixou a cabeça envergonhado, chorando, querendo fugir dali, porém sem ter forças para nada. Ergueu enfim a cabeça e perguntou o que Jozué ia fazer com ele agora.
“Porque me deste o sofrimento não espere que me vingue com tua dor. Terá o que merecer sem uma palavra ou gesto meu, pois a mim não foi dado o direito de julgar, e muito mais injustamente. Está vendo todos aqueles ali? Bastaria que eu dissesse quem você é para que deixasse de ser no mesmo instante. Mas é injusto que eu te condene assim. Deus, somente Deus, disporá sobre sua outra pena. Tenha cuidado apenas consigo mesmo, não tenha medo de mim. Não direi uma palavra sequer sobre seus grandes erros, sobre as injustiças cometidas. Mas haverá de lembrar que a Bíblia, acho que no Livro de Eclesiastes, tem razão ao dizer: Debaixo do sol, a injustiça ocupa o lugar do direito, e a iniqüidade ocupa o lugar da justiça”.
FIM
Poeta e cronista
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