Rangel Alves da Costa*
Se no mundo e na vida há cometimento gratuito de injustiça, certamente isso ocorre com relação às pedras. Não há nada mais visto com frieza, raiva, ódio, ignorância, desprezo, do que a pedra. Parece mesmo que o seu jeito tão próprio de existir, sem jamais se importar com a vida dos outros, causa tanto enraivecimento.
Contudo, por mais que as desprezem elas estarão sempre ali, como sempre estiveram desde o início dos tempos. E foi até nome de período pré-histórico, numa denominação de pedra lascada. Que coisa mais esquisita. E que trabalho que deu lascar a pedra se bem poderiam progredir utilizando instrumentos mais maleáveis.
Elas estão imensas ou pequeninas, rochedos ou quase grãos, sempre quietinhas, solenemente instaladas no seu lugar. Não fazem mal a ninguém, não saem voando para atingir ninguém, não abrem a boca para falar mal de quem quer que seja, mas insistem em não gostar delas de jeito nenhum. E ainda por cima dizem que quem é insensível tem um coração de pedra. E aí está a maior prova de que verdadeiramente não conhecem seus sentimentos.
Como dito, com raras exceções, as pedras são motivos de chacota, de zombaria, de aleivosias e muito mais. Ainda assim não deixou de inspirar Drummond: “No meio do caminho tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho/ tinha uma pedra/ no meio do caminho tinha uma pedra/ Nunca me esquecerei desse acontecimento/ na vida de minhas retinas tão fatigadas/ Nunca me esquecerei que no meio do caminho/ tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho/ no meio do caminho tinha uma pedra”.
Poeticamente na canção infantil “Se essa rua fosse minha”: “Se essa rua/ Se essa rua fosse minha/ Eu mandava/ Eu mandava ladrilhar/ Com pedrinhas/ Com pedrinhas de brilhante/ Só pra ver/ Só pra ver meu bem passar...”.
De forma romântica, a música “Pedras do Cais” fala delas como lugar onde alguém poderá ser encontrado: “Minha menina, onde é que você está?/ Pois a noite inteira eu fiquei a te procurar/ Minha menina, onde é que você está?/ Por entre as pedras do cais, à beira-mar...”
Mas no caminho inverso, também servem para denotar revide, troco, como na música “Atire a primeira pedra”: “Covarde/ Sei que me podem chamar/ Porque não calo no peito/ Esta dor/ Atire a primeira pedra Iaiá!/ Aquele que não sofreu/ Por amor...”.
Ora, o pequeno Davi colocou uma pedra na sua baleadeira e acertou na testa do gigante Golias, fulminando-o. Prometeu – o da mitologia -, sendo castigado por haver roubado o fogo da vida, ficou preso numa pedra imensa, num penhasco, aonde uma águia vinha arrancar-lhe o fígado, que se refazia instantaneamente, num suplício continuado.
O louco é o maior amigo da pedra. Até podem achar que não, vez que o mesmo vive enchendo suas mãos de pedras e jogando num e noutro, mas a verdade é que faz isto para dar movimento a quem vive esquecida no mesmo lugar. Ademais, é a insanidade cativante que o faz sentar em cima dela e ficar conversando, dizendo coisas que pedra gosta de ouvir. E gosta mais ainda porque não tem que ficar respondendo.
Mas as pedras são verdadeiramente injustiçadas, e muito. Tem gente que não sabe por onde anda nem onde pisa e de repente está esculhambando e amaldiçoando a pobre da pedra. Ora, sai displicentemente, caminha sem olhar aonde vai, não se dá o esforço de olhar nem para baixo nem para os lados, e depois a culpa é da pedra.
E se tem raiva, vai a pobre pedra sendo arremessada para ferir inocente; se não tem o que fazer, procura exatamente a pedra que está quietinha para jogá-la bem longe. Não obstante isso, quando está na beira de rio ou de praia a primeira coisa que pensa é em afogar a coitada da pedra. E procura por todo lugar uma pedrinha e joga bem adiante, bem longe, bem onde as águas são mais profundas.
E todo mundo sabe que pedra não sabe nadar.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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