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segunda-feira, 23 de abril de 2012

TÃO JOVENS, TÃO LINDAS, TÃO PRISIONEIRAS DA IGNORÂNCIA (Crônica)

                                         
                                                     Rangel Alves da Costa*


Ainda que neste século, ainda que perante o encurtamento das distâncias, do progresso presente em todos os setores sociais, da inexistência do isolamento das comunidades, verdade é que infelizmente continua persistindo uma situação parecida com os tempos conservadores mais antigos: mocinhas nas distâncias e nos escondidos interioranos que ainda são mantidas como verdadeiras prisioneiras pelos seus pais.
Pelas pequenas povoações distantes, nas fazendas perdidas nas vastidões sertanejas, nos casebres escondidos pelas brenhas, ainda existem famílias que guardam suas crias fêmeas como se fossem bichos de criação. Assim, mulheres nascem e vão crescendo sem experimentarem praticamente nada do mundo lá fora. Muitas delas alcançam a puberdade sem colocar os pés além da cancela, sem saber o que é cidade, sem conhecer outras pessoas.
As meninas lindas, de encantadora inocência, não possuem amigas, não conseguem ninguém para conversar, não pode viver sua fase de vida, não indo nunca além das dependências e arredores de sua casa, do seu quarto de dormir, de sua janela. Talvez uma boneca de pano, um velho e amarelado espelho na parede, um pente, uma roupa de chita, um chinelo qualquer. E só isso.
Sonhos não podem sonhar porque não conhecem outras realidades a serem desejadas; crescem sem ir à escola, sem aprender a ler e escrever, sem saber o que é vida além do cárcere. Ao se olharem no espelho e por intuição se acharem belas, nem por isso surgirá um sorriso pensando no belo príncipe que um dia poderão encontrar. O que é o amor, o que é namorar, o que é gostar, o que é ter desejo, o que é o sexo, o que é casar?
Crescem não sabendo nada disso. As famílias não permitem que falem sobre tais assuntos pra não despertar curiosidades nem desejos proibidos nas suas meninas prisioneiras. Rapaz jovem não pode visitar sua casa e muito menos olhar nos olhos de suas filhas. A ninguém será permitido confidenciar alguma coisa aos seus ouvidos. Por isso a distância do rádio, nem pensar que existe televisão, o desconhecimento de tudo.
Há de se imaginar do terror que essas jovens sentem ao se verem manchadas de sangue na menstruação inesperadamente surgida. Sem saber o que fazer, muitas vezes se cuidam como podem, catando molambos e restos de panos para a higiene íntima. As mães, cientes demais que isso um dia acontecerá, ainda assim mantém silêncio profundo sobre as transformações inevitáveis no corpo e no organismo da mulher.
Fazendo isso, talvez imaginem que estão incutindo medo nas suas filhas e que as mudanças surgidas sirvam para colocar aqueles corpos inocentes como objeto extremamente misterioso e por isso mesmo não poderão ser apreciados nem tomados como posse de nenhuma outra pessoa. Assim, nessa concepção as filhas, diferentemente dos filhos, não devem namorar e muito menos casar. Quando muito, e bem mais tarde, freqüentar igrejas para se tornarem tementes aos pecados e ir assumindo feições beatistas para o resto da vida.
Quer dizer, essas jovens não são vistas nem pensadas como mulheres, como pessoas que se desenvolvem para participar ativamente do mundo e enfrentar a vida com suas alegrias e percalços. Não desejam tê-las participando socialmente, mas apenas segurando num cabo de vassoura, lavando pratos, limpando os móveis da casa, entregues aos serviços domésticos. Escravizadas, presas na luz do dia, correm até o risco de passarem a não se reconhecerem mais como mulheres, como pessoas, senão como alguém que existe sem saber nem porque nem para que.
Ora, mas haverão de dizer que nesse rumo que a vida vai não há mais espaço para existência de pessoas vivendo na situação descrita. Ledo engano, pois sigam adiante, entrem sertão adentro, façam de conta que não querem nada e vão visitando famílias que vivem nos lugares mais afastados. Certamente não encontrarão as ditas meninas, as jovens nos seus cárceres, até porque elas estarão mantidas nos esconderijos de seus quartos. Mas se perguntar como vão suas filhas logo receberão o silêncio como resposta. E aí estará a comprovação.
Infelizmente é assim. Belas e meigas flores da idade sendo alijadas do mundo, da vida, do sonho, da fantasia, do seu encontro com o maravilhoso mundo de ser mulher.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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