Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
A missa, esta cerimônia eucarística com que a Igreja Católica comemora o sacrifício de Jesus Cristo pela humanidade, certamente que possui outros significados para os católicos. No interior, por exemplo, possui pelo menos três feições bem definidas.
A primeira diz respeito àquele momento de celebração religiosa tão esperada pelas beatas em fervorosa adoração. Ainda que sejam poucas as verdadeiras beatas. A segunda diz respeito ao momento do disfarçar a religiosidade. É a oportunidade de as famílias comparecerem à igreja para fingir que vivem em perfeita comunhão divina e familiar. E a terceira é a utilização do ato eucarístico para fins outros que nada tem ver nem com fé nem com religiosidade.
Misturando tudo, no interior - principalmente naquelas cidadezinhas onde o progresso parece que só chega para ativar a safadeza nos mais jovens, ensinar-lhes o que não presta com os seus modismos – o dia de missa é evento de suma importância. Não só porque as celebrações não são constantes durante o ano, mas principalmente porque se traduz na oportunidade de fazer acontecer coisas difíceis até de se imaginar.
Até os preparativos já se tornam eventos à parte. As roupas domingueiras, adormecidas em bolinhas de naftalina no guarda-roupa, são aquecidas ao sol, reparadas se a pessoa engordou ou emagreceu, deitadas na tábua do ferro de engomar e depois estendidas na cama, até o momento de ser reapresentada ao espelho.
De repente começam a procurar os perfumes baratos, as brilhantinas, as sandálias, os sapatos, os cinturões, as flores para colocar no cabelo, os chapéus panamá, os lenços de mais de dez anos. Os cabelos são ajeitados, as barbas são feitas, os bigodes aparados. O engraxate vai passando de casa em casa para o ofício brilhoso. As máquinas de costura e as agulhas trabalham sem cessar. Ora, caiu um botão, a saia descosturou.
E lá vão as beatas com seus xales pretos, roupões escuros abaixo dos joelhos, com bíblia, rosários e terços nas mãos, e os olhos que não olham pra frente de jeito nenhum. Mas não há como olhar adiante, pois ficam observando de canto a outro, pelas janelas, esquinas, em qualquer lugar que possam encontrar estranhezas.
Ora, não fazem outra coisa na vida senão olhar a vida dos outros, levantar aleivosias, espalhar fofocas dentro da própria igreja e para o deleite de suas comparsas. Muitas delas mal adentram o recinto, se benzem e logo vão chamando as outras para contar fofocas e mentiras. Quando a missa começa iniciam também os cochilos de sempre, muitas vezes até roncando, sonhando com o que denegrir a imagem dali a pouco.
Quando os casais vão entrando de braços dados, as velhas beatas se entreolham e começam sorrisos miúdos, cínicos, desrespeitosos. E se aproximam mais para soprar ao ouvido que aquela zinha tão séria de braços dados com o esposo não passa de uma quenga, de uma adúltera pecadora. E fazem o mesmo com as outras que vão entrando. E que festa é falar mal da vida dos outros, inventar pecados e mentiras, mesmo dentro da igreja.
Já com os jovens a situação é bem diferente. Assistem à missa quase sempre olhando pra trás, em direção ao olhar daquele que mais tarde encontrará pelos recantos escondidos. E enquanto isso o padre vai mostrando a medida do pecado e o destino do pecador.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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