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sábado, 28 de abril de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (2)

                                        
                                                      Rangel Alves da Costa*


Verdade é que ninguém até hoje soube explicar os motivos de tanto silêncio e tanta solidão.
Também não haveria como, eis que nenhum pé de pessoa nunca mais passou ali nem porque seguindo seu caminho, porque precisasse pernoitar ou porque tivesse conhecimento ou interesse de saber sobre as razões do silêncio e da solidão.
Abandono, esquecimento total, uma casa e sua vida, sua história e seu passado perdidos no tempo, relegados ao desdém daquela triste e terrível situação.
Triste porque não há lugar no mundo que um dia já estivesse sido festejado, vivido e compartilhado, que não se entregue à dor do abandono injustificável, de um jeito tão devorador e inexplicável.
A pedra se entristece pelos seus eternos dias de solidão, e por isso chora e fica cada vez mais com coração petrificado; o coco verdejante, cheio de vida e água, vai entristecendo, perdendo a cor, secando até cair numa murcheza terrível se relegado muito tempo ao alto do coqueiro. E por que com a casa abandonada poderia ser diferente?
Não. Era apenas uma casa, uma velha e abandonada casa, porém cheia de vida e de acontecimentos que ainda fluíam nas suas entranhas. Hoje solitária e silenciosa mas tomada das vivências de outros tempos, com seus moradores, suas alegrias, medos, angústias, sonhos.
Por isso mesmo que aquela aparência de solidão, abandono e silêncio não representavam absolutamente nada. Ainda que não se ouvisse nada ali, que ninguém entrasse ou saísse por aquela porta, ainda assim havia um mundo estranho e misterioso sempre acontecendo por ali, e a todo instante.
Ninguém podia imaginar, mas talvez os meninos estivessem correndo e brincando pelos arredores da casa; talvez a mocinha estivesse na janela com uma flor à mão, de olhos tristonhos em direção ao horizonte; talvez a velha empregada estivesse arrumando ou passando o espanador nos móveis; talvez a dona da casa estivesse preparando uma receita diferente para receber visitantes; talvez o dono da casa estivesse amarrando o cavalo debaixo do pé de aroeira depois de chegar de viagem vaqueira.
Talvez, tudo talvez, mas certamente um mundo, uma vida ainda existente ali, de modo que o silêncio e a solidão fossem apenas um ilusório cenário, uma cortina, uma mágica paisagem escondendo uma realidade ainda vivamente existente. Mas qual realidade?
O desconhecimento dessa realidade é que tornava aquela situação terrível. E muitas vezes não somente terrível como amedrontadora, instigante, misteriosa demais. Mesmo no silêncio e na solidão, acontecimentos existiam por ali que deixaria sem palavras qualquer um que acaso pudesse presenciar.
Cavalos que pastavam soltos e avançavam até aqueles ermos, recuavam de vez em quando nas proximidades da casa. Estavam por ali tranquilamente, indo mais além do que o seu dono sabia, mas de repente levantavam a cabeça, saltitavam, batiam fortemente as patas no chão e recuavam a seguir.
Recuavam assustados porque pressentiam algo estranho naquela casa velha solitária e abandonada, jogada ao desvão do silêncio dos dias. E é do conhecimento da maioria que o cavalo é um dos poucos animais que pressentem o perigo, as coisas estranhas que estão ao redor ou mais adiante.
Por isso mesmo que o animal prefere derrubar o cavaleiro insistente e recuar do que seguir adiante em situação de medo, de assombro e de perigo. Mas não só o cavalo como também outros bichos, e ali de vez em quando um assombro generalizado tomava conta de todos aqueles viventes das matas.
Se a casa abandonada servia de abrigo e dormitório a muitos animais, também é verdade que muitas vezes os bichos não chegavam nem perto da malhada nem nos arredores. Podia chover canivete que não queriam nem saber de correr para lá.
E faziam assim porque pressentiam coisas muito estranhas ocorrendo por ali. Mas o que seria?




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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