Rangel Alves da Costa*
O coração não é somente o centro motor da circulação do sangue nem a parte anterior do peito onde se sente pulsar esse órgão. É mais, infinitamente mais, pois é a casa sagrada onde cada um deve devotar os bens da vida e exteriorizá-los nas suas ações.
Casa sagrada por diversos outros motivos. No coração possui moradia os mais nobres e belos sentimentos; ali está a catedral, a igreja, a capela, o oratório de cada um; no seu interior é que nasce a fé, o respeito, a devoção; no seu altar reside toda a religiosidade do ser, vez que não haverá Deus exterior sem a moradia interior.
No coração, essa casa sagrada do ser humano, está o livro da vida, página a página está a história de cada um; escrito em letras fortes o jeito de ser e de viver de todos. E sua sabedoria é imensa porque todos os caminhos e tudo que exista sempre parte do vão de sua porta.
O bem que se faça, o mal que se fez; os nobres desejos, os pecados escondidos; as boas ações, os rastros do erro; a alma tão puramente verdadeira, o retrato que esconde a feição; as verdades inatacáveis, as mentiras enraizadas; as melhores intenções, as piores premeditações; tudo está na casa sagrada.
Ninguém é completo e verdadeiro após sua porta se adiante, por todo o percurso que andar, não refletir as lições contidas lá dentro. E não adianta querer fingir e enganar por muito tempo se não há existência que persista confrontando o coração.
Casa sagrada, igreja e templo, com sinos no campanário anunciando as boas novas, as grandes realizações, as grandes conquistas. Contudo, os sinos dobram por muito menos, bastando que o ser se sinta contente por um ato praticado, pela mão que estendeu, pelo bem que praticou, pelo simples gesto que faz sorrir a feição de Deus.
Casa sagrada, mansão e casebre, riqueza infinita na humildade. E quantos corações são imensamente ricos mesmo guardados no peito do mais simples dos seres. E que riqueza neste ser, inigualável fortuna neste desvalido de bens materiais, mas cuja moradia interior, de tão cheia de virtudes que é, faz o mais suntuoso dos reinos parecer frágil demais.
Casa sagrada de silêncio e culto, de contrição e prece, de fé e esperança, eis que no coração reside o altar com o Deus que vive esperando a palavra silenciosa do dono da casa. Prestar contas a si mesmo do que fez ali diante do altar é confirmar perante a presença divina que o realizado não deva permanecer oculto, pois sabe que nada foge aos olhos da sabedoria maior.
Casa sagrada que igual a fortaleza no alto do monte jamais estará protegida das durezas do tempo, da passagem dos anos, das intempéries e inesperadas circunstâncias. E por ser assim, apenas um coração que se mantém erguido pelo cimento e vigas do seu dono, deverá estar sempre com estrutura suficiente para suportar desde a brisa amorosa que chega ao pior vendaval das desilusões.
Casa sagrada que se sente desarrumada demais quando chega o entardecer e a saudade e as relembranças batem as portas e janelas trazendo tristeza e dor; que se aflige e se atormenta esperando os bons sinais, as notícias boas, na imensa expectativa que alguém desponte ali diante, na curva da estrada; que silenciosamente chora porque sente presente demais a ausência dos que partiram.
Casa sagrada, imenso coração, represa de vida que se alimenta das águas que ali desembocam vindas do corpo inteiro. Uma casa, um rio e seus afluentes, o sangue que corre para irrigar a terra e engordar as sementes, que logo mais brotarão com o singelo nome de sentimentos. E porque frutos, nem todos os sentimentos nascidos na casa sagrada são iguais em valor. E como acontece na vida, caberá ao lavrador descartá-lo para que não contamine sua colheita.
A verdadeira casa sagrada, o bom coração, jamais estará de portas fechadas. Aquele que insistir em não acolher o próximo talvez nem saiba que quem construiu aquilo tudo possa estar de visita para renovar toda a sua força e estrutura. E sem Deus não haverá mais nada.
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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