Rangel Alves da Costa*
Os mais sentimentalmente frágeis certamente chorarão todas as vezes que lerem os dados biográficos da maioria dos governantes, dos poderosos, dos importantes e influentes, dos políticos com mandato ou não.
Ministros, secretários do alto escalão governamental, cantores famosos, pastores ou missionários evangélicos podres de ricos, donos de grupos de comunicação, celebridades televisivas, homens de alta patente, dentre muitos outros, parecem todos nascidos em manjedoura, na maior pobreza do mundo.
Coitadinhos, dá até pena em saber que tal pessoa passou por tanto sofrimento na vida, que morava em casinha de taipa, com os pais tendo a maior dificuldade do mundo para adquirir o pão de cada dia, sem ter chinelo pra calçar, sem poder estudar porque não tinha roupa pra ir à escola nem um lápis e um caderninho. E é só o começo de um percurso de vida deslavadamente mentiroso.
Eis que dificilmente se lê uma biografia de gente desse quilate para que a mesma não fale da infância difícil do menino pobre, nascido em meio às carências familiares, nos rincões distantes de qualquer lugar, muitas vezes tendo até mesmo passado fome. E tudo uma desavergonhada, despudorada mentira, uma arrumação mercadológica querendo repassar um falso caráter de intensas lutas e de árduas vitórias.
Pelo que se sabe, uma biografia, seja lá de quem quer que seja, deve relatar o mais fielmente possível o nascimento, a vida e os feitos de determinada pessoa, mas não criar situações fictícias para repassar uma imagem distorcida, mentirosa e ilusória do biografado. Biografia que se preze rebusca a verdade, mexe até na ferida, sob pena de não passar de uma arrumação romântica e sentimentalista.
As enciclopédias dizem que biografia é a descrição da vida de uma pessoa, a história escrita sobre os aspectos mais relevantes de sua vida, podendo contextualizar desde antes do nascimento até determinado momento da existência, acaso o biografado seja pessoa viva. Assim, é o relato de vida de uma determinada pessoa, contendo sua trajetória, como foi, o que fez, o que faz, quais as suas conquistas.
Por ser descrição de vida, não se transforma esta posteriormente para lhe dar um caráter totalmente inverídico. Daí que seria injusto e mentiroso transformar uma infância dourada numa fase de puro sofrimento; converter a bonança em dificuldades, a riqueza em pobreza, a vida farta em carência de tudo. É inadmissível mentir, criar situações inexistentes, apenas para dizer que a grandiosidade de hoje foi conseguida com extremo sacrifício.
Mas a verdade é que mentem, omitem, e pagam para que escrevam assim sobre suas trajetórias de vida. Ninguém diz, por exemplo, que é filho de família tradicional, rica e poderosa, que teve uma infância em berço de ouro, sempre estudou nos melhores colégios, realizou as viagens de passeio para onde bem desejou, sempre teve carros luxuosos e uma vida glamorosa e desregrada.
Também não pagam para escrever sobre as maracautaias levadas a efeito, os tantos desnorteados éticos e morais, as práticas nefastas para subir a qualquer custo na vida. Esquecem de constar de suas linhas biográficas seu livro maquiavélico de cabeceira e suas cartilhas ensinando a roubar e a mentir. Do mesmo modo, não há um só parágrafo falando sobre suas reprováveis vidas íntimas nem acerca dos inocentes que foram triturados pelas rodas poderosas de suas influências.
Não, nada disso, pois seriam mentiras diante de homens virtuosos demais, puros, inocentes em quase tudo, afetos à santidade. E hoje estão no poder, alcançaram a glória e o sucesso, conseguiram acumular riquezas, pelo simples fato de que lutaram incansavelmente para conseguir tudo isso. Ao menos é isso que dizem, que pregam, que pagam para escrever sobre suas vidas.
Conheço um safado de um político que chega nas comunidades carentes e diz reconhecer todo aquele sofrimento porque também sofreu na pele todas aquelas vicissitudes. Calhorda de primeira grandeza, corrupto de maior quilate, desde a infância que vive no luxo e na devassidão, ainda assim se autobiografa na maior cara de pau.
E manda o assessor anotar para entregar ao seu biógrafo.
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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