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quarta-feira, 4 de abril de 2012

UM JAGUNÇO E UMA TOCAIA (Crônica)


                                                  Rangel Alves da Costa*


Pelo que se sabe, nos idos já desbotados, tempos passados onde ainda imperavam o coronelismo e o mandonismo interioranos, as tocaias eram os principais instrumentos utilizados pelos poderosos para dar fim aos desafetos. As curvas das estradas ficavam banhadas de sangue, os urubus faziam festa nos corpos estendidos ao desvão.
Mas não pelas próprias mãos dos coronéis, cujos dedos anelados tinham serventia apenas para cachimbo, o charuto, o alisamento de perna de falsa prostituta francesa nos cabarés afamados, e sim através da jagunçada, da tropa pistoleira que sempre estava a seu serviço e ordem. Era aparato grandioso, tanto de armamento como de jagunço, vez que no seu poder aterrorizante estava também a sua fama e sustentação.
Cada jagunço sempre a postos para prestar serviços ao coronel não dispunha de menos do que cinco derrubadas. Quer dizer, mesmo que não tivesse sido a mando de seu patrão, mas tinha de ser reconhecido pelas muitas tocaias que já havia armado, e logicamente fazendo sangrar sua presa. Muitas vezes matava inocente e até conhecido, coisa que tanto fazia se recebia pra isso e já não tinha qualquer sentimento verdadeiramente humano.
Aos poucos o jagunço ia se transformando em pedra, em bicho ruim, em rocha imprestável. E tudo trilhado pela força de sua arma e de sua intuição maldosa. De repente no seu instinto estava instalada uma cartilha que outra lição não continha senão obedecer ao coronel sem se importar com vida de quem quer que fosse. Ora, ganhava pra isso e o seu reconhecimento vinha da crueldade praticada.
Cada tocaiagem que se fazia era uma estratégia somente possível pelo grande conhecimento que o pistoleiro tinha da região. Tinha que conhecer bem cada detalhe do mato, das estradas e suas curvas, das veredas e seus labirintos, das moitas e tufos de plantas que existiam em cada lugar. Sabia silenciar o bicho, acalmar a mataria, andar feito cobra rastejante, de olhos bem atentos e arma sempre em ponto de descarrego.
Assim, com a ordem dada pelo coronel, passava dias rastejando pelos cantos, se estropiando nos espinhos e pontas de pedras, para estudar bem os detalhes da traição, da tocaia, da derrubada daquele marcado para morrer. Muitas vezes por besteira, porque não quis vender as terras ao coronel, não deixou que sua filha se tornasse sua quenga, olhou-o com olho mais fechado do que o permitido.
E no intuito de dar cabo ao desatinado é que o jagunço começava todo um planejamento. Então acabava sabendo que o desafeto do seu patrão costumava passar tal dia e tal hora por tal lugar, caminhando ou montado a cavalo, se andava sozinho ou não, se levava consigo armamento e se também era perigoso diante de uma refrega. Mas nem dava tempo de ser perigoso, de reagir, contra-atacar, pois a principal característica da tocaia era precisamente a traição, o alvejamento às escondidas.
Conhecendo tudo do dito inimigo e seu percurso, era só marcar o dia para tirá-lo da vida. Se o homem costumava passar ao meio-dia pela estrada, então logo cedinho o jagunço já se fazia presente nas redondezas, mas sempre andando por dentro do mato, sempre se escondendo de qualquer visão, sempre temeroso de ser visto e reconhecido.
Pertinho da hora, se acercava do local e se escondia dentro do tufo de mato ou por trás das folhagens, mas sempre de modo a ter clara visão da estrada adiante para não errar o alvo nem a pontaria. Ficava em silêncio total, apenas gesticulando para silenciar ou afastar os bichos que se aproximavam. Avançava um pouco a cabeça e olhava ao longe, pra o início da curva da estrada.
Mirava o sol fazendo sombra em tal lugar e então tinha certeza de que dali a pouco a futura vítima passaria por ali. Dito e certo, pois não demora muito e se ouve um cavalo galopando. É ele, pensa. É ele, repete. E ajeita a arma, aponta, coloca o dedo no gatilho. Os olhos se amiúdam para enxergar melhor.
Mas para sua surpresa o cavalo traz em seu lombo um homem já morto, todo ensangüentado. Mas não pode ser, diz a si mesmo. E corre naquela direção para saber de quem se trata. E ao virar a cabeça do homem reconhece o coronel seu patrão. Outro jagunço, a mando de outro coronel, também acabou fazendo seu trabalho.

 


Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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