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segunda-feira, 23 de abril de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: FAZENDA TERRA DOURADA (15)


                                                         Rangel Alves da Costa*


Ao ver a lastimosa cena, com o coitado do sacerdote só faltando botar os bofes pela boca, num sofrimento de não acabar mais, a rechonchuda Graciosa deu um berro que quase derruba a igrejinha abaixo. Não poderia imaginar de jeito nenhum que os filhos estivessem ali maltratando o padre daquele jeito. E o pior é que não sabia nada do que motivava tal violência contra o religioso.
“Permínio e Licurgo, vocês podem me explicar o que significa essa monstruosidade toda?”. Os rapazes se olharam assustados, amedrontados não encontraram palavras para responder. Mas o padre encontrou forças para dizer: “O ouro, Dona Graciosa, o ouro. Os seus filhos querem a todo custo saber onde está escondido o ouro”.
“Amaldiçoado ouro, amaldiçoada maldição, e sempre o ouro corrompendo as pessoas, tomando-lhes o juízo, a honra e a dignidade...”. E se aproximando mais disse aos dois: “Vocês acham pouco a riqueza que seu pai coloca à disposição e que não tem outra serventia a não ser para farras, puteiros, sem-vergonhices e demasiado luxo? Pois saibam que o ouro está nessas paredes, mas ele não tem outra serventia senão manter o seu pai com vida. Se quiserem ver o seu pai morto num instante coloquem as mãos nesse ouro. E coloquem se conseguirem achar, pois nem eu nem o santo padre iremos dizer aonde é o esconderijo”.
E a cena seguinte foi verdadeiramente impressionante. Já sabendo que o ouro estava mesmo nas paredes, porém sem saber o local exato, Licurgo deixou Permínio cuidando do sacerdote e correu em direção à mãe, dando-lhe uma gravata e jogando-a ao lado do outro refém. “Agora digam onde está o ouro. Ou abrem a boca agora mesmo ou os dois vão ser enterrados vivos, mas não sem antes tomar umas boas porradas”.
O padre chorava, a mãe soluçava, que cena mais lamentavelmente triste. E os dois rapazes tinham pressa, pois sabiam que a qualquer momento os capangas apareceriam para complicar a situação. Num instante de fúria, Permínio colou uma faca no pescoço do religioso e disse que ele iria ser sangrado naquele momento se não dissesse logo o lugar exato onde estava o ouro.
Vendo aquela situação toda, sem poder mais suportar, Dona Graciosa olhou para o filho e disse: “Mesmo estando selando a morte do meu esposo, seu pai, deixe o homem em paz que vou dizer onde está...”. E apontou para um dos locais na parede. “Dois palmos abaixo da Via-Crucis, basta apertar na pedra mais escura que a parede vai se mover e lá você encontrará o ouro”.
Ato contínuo Licurgo estava medindo a parede. Certinho. Dois palmos. E lá estava a pedra preta. Empurrou-a e parte da parede se abriu. Era ouro por cima de ouro, reluzente, amarelo, encantadora e amaldiçoadamente ouro.
Nesse mesmo instante seu pai, o velho Sinhô Badaró, após sentir fortes dores pelo corpo inteiro, caiu sobre a cama. Sentia queimor, faiscação, pontadas que percorriam todo o corpo. Gritou pela esposa, gritou por qualquer pessoa que estivesse por ali, mas nada. E de repente sentiu uma presença estranha no quarto.
Esforçou-se um pouco, levantou a cabeça e viu mocinhas chorando, escravos lanhados de sangue, pessoas com feições de sofrimento, e chicotes, e chibatas, e armas, e fantasmas terríveis. Reconheceu tudo aquilo e gritou, porém sem sair voz alguma: “Meus pecados, meus pecados, meus pecados...”.
E no passo que as visões surgiram desapareceram, mas ele continuou prostrado na cama. Na igreja, Licurgo chamava Permínio para retirar o ouro dali. Lá fora os jagunços já avançavam novamente em correria. E no quartinho da casa da Velha Totonha, depois do susto tomado com a visão de seu pai na bacia, Engracina se benzeu, olhou pra amiga e disse que agora seria a hora de fazer a parte dela, a parte de filha que tanto gostava da família. Sem entender o que a mocinha queria dizer com isso, a velha escrava só faltava morrer de medo.
E mais espantada ainda ficou quando viu a mocinha se abaixar, pegar com as duas mãos a enorme bacia e caminhar firmemente com ela até o lado de fora. E jogar, com bacia e tudo, todo o líquido putrefato por cima das plantas que a velha usava para fazer encantamentos. 


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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