Rangel Alves da Costa*
Toda vez que chega esse tempo de delícias, que caminhando logo cedinho pelo mercado encontro bacias e cestos cheios de mangas da estação, começo a lembrar de passagens apetitosas contidas nos livros de Jorge Amado.
Em muitas de suas obras o maior dos escritores fala nas pequenas e grandes embarcações que vindo do recôncavo baiano, já cortando as águas a espalhar os deliciosos aromas de frutas, aportam trazendo uma imensidão de cestos, balaios e caçuás repletos de mangas maduras, amarelinhas, olorosas, derramando na pele o suor adocicado da mais sumarenta das frutas.
Lendo os seus livros me empanturrava de manga, devorava um cesto inteiro, apenas lavando nas águas do rio e saboreando com casca e tudo. Guloso que só, de repente o sumo amarelado descia pelos cantos da boca, encharcava as mãos, sujava a roupa. Tinha nada não, tinha nada não...
E ainda assim o voraz apetite implorando por mais uma amarelinha, um pouco menor que as outras, mas cuja doçura sublimava o espírito. E depois o doce trabalho de puxar com os dedos os fiapos que permaneciam entre os dentes. E tomar água em seguida, deitar na rede a sonhar? Nada disso, apenas caminhar pelos arredores para fazer digestão e talvez reabrir o apetite. Quem dera um pomar repleto, um quintal de mangueiras, um dia inteiro no meio da feira.
Jorge Amado diz que no ouro sumarento da manga está o exemplo maior do encantamento maravilhoso que há nas coisas simples da vida. O simples ato de colocar uma fruta madura na boca pode ser o encontro com os deuses das delícias que alimentam a alma e o espírito; o simples fato de o ouro amarelo escorrer pelo lábio e respingar pelo corpo já quer significar que a doce e saborosa riqueza acontece ao acaso da mordida na fruta.
Por isso mesmo que a fama da fruta se espalha. Fruta de beleza e sabor original, de polpa carnuda, deliciosa, perfumada, consistente, cheia de fibras e de açúcares. Basta a visão de uma manga madura para o pensamento ser aguçado, o desejo aflorar, a vontade sair da simples intenção. E ao beijar a fruta lembrar de lábios cujo respingo possui o mesmo doce sabor.
Mas nem toda manga surge como riqueza assim ao meu olhar. Até que admiro manga rosa, manga coquinho, manga carlota, dentre outras, mas tenho predileção pela manga espada, essa de feira mesmo. Esta já nasce diferenciada, em mangueira com folhas brilhantes e flores pequeninas e perfumadas. Ao surgir o fruto, este é um de um verdor que ao amadurecer vai ganhando uma cor dourada do lado de maior incidência do sol. E lá dentro o paraíso!
O meu amor também tem cheiro e sabor de manga morena, fruta mais deliciosa desse pomar onde antigamente só brotava solidão em meio a ervas daninhas, a mato qualquer desencantando os meus dias. Um dia jogaram semente, um dia choveu por aqui, um dia amanheci uma manhã diferente, e noutro dia já tinha um pomar. E um arvoredo somente de mangueiras, de manga espada, dessas que me adoça a vida.
Não quero doce em compota, não quero suco, não quero fatias arrumadas numa mesa chique, num ambiente de desconforto. Quero a manga da feira, a manga do quintal, a manga roubada, a manga achada na casa do parente, a manga encantadora. E a quero inteira, amarelinha, madura, com casca e tudo.
E quero morder, quero provar, quero deseducadamente me lambuzar de prazer. E não sei por que, mas toda vez que o doce da manga me entra pela vida sinto o mesmo prazer do amor provado pelo instinto da paixão verdadeira. Um amor semeado pela vida e colhido a cada amanhecer.
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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