SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 3 de abril de 2012

VENTO NORTE (Crônica)

                                       
                                            Rangel Alves da Costa*


Depois das festanças, das alegrias e das felicidades exageradas, o povo do lugar sabia que já estava chegando os tempos de brisa e bonança passar e ter de enfrentar o sopro do vento norte. Mas que medo que isso dava, que aperreio isso trazia. Não era só enfrentar um vento, mas o vento. E o vento norte...
Se na brisa a paz reinava, tudo era encantamento e despreocupação, com a chegada do vento norte tudo passava a ser diferente. Era sempre assim e não adiantava fazer nada para mudar. Tudo parecia com aqueles ditados, inversamente dizendo que depois da calmaria vem a tempestade, depois do sorriso vem a lágrima, depois da alegria vem a tristeza.
O povo tristemente se afligia só em pensar na chegada do vento norte. Diferente da brisa que chegava como moça sublime e faceira, como canto suave pelo ar, o vento norte aparecia furioso, raivoso, tempestuoso demais, trazendo consigo inúmeras preocupações.
Eram tais preocupações que mais afligiam o povo do lugar. Mas tinha de ser assim, não podiam fugir desse destino de ter a brisa, a aragem boa, e depois o vento ruim. E por não poderem fugir desse desígnio é que sentavam nas calçadas, abriam as portas e janelas, se punham no meio do tempo, para o vento chegar com os seus maus presságios.
Quando avançava ao longe e já ia chegando à curva da montanha, de repente o lugar ficava sombrio, silencioso, triste demais. Mas ele avançava como mensageiro ruim, carteiro trazendo desagradáveis notícias, anunciante de coisas terríveis. Um zunido constante, rouco, estranhamente sibilado.
E chegava para a velha senhora sentada na cadeira de balanço na calçada e soprava: Pensei que dessa vez não ia encontrá-la mais por aqui. A senhora parece mais forte do que eu imaginava, e olhe que sei de tudo, do bom e do ruim, principalmente do pior. Mas a senhora está aí e é bom que seja assim, pois será a chance de me despedir. Na próxima vez que eu soprar por aqui a senhora não mais estará nessa vida...
E chegava pra solteirona que tentava se esconder por detrás da janela e dizia bem no ouvido: Fique assim não. Adianta você viver dia e noite nessa janela esperando homem passar para ver se arruma macho? Só mesmo um mais desesperado do que você pra olhar pra cá com sorrisos e trejeitos de esperança. E também não adianta tanto pó, tanto creme, tanta vermelhidão na boca e no rosto. Desse jeito será mais fácil assustar do que arranjar namorado. Já pensou em ficar nua pra ver se chama atenção? Se ficar nua e nenhum homem se interessar é porque pode mandar abrir uma cova e se enterrar viva...
E chegava pro padre que se benzia sem parar e dizia: Velho fingidor, mais falso do que inimigo enraivecido. Quem trai o divino, a religião, o rebanho e a própria igreja não pode ser digno de ser chamado semeador das graças cristãs. Nem me olhe assim porque o senhor sabe muito bem do que estou falando. E diga que é mentira minha que faz da sacristia puteiro, que furta o dinheiro doado pra igreja, que não enche a cara de cachaça quando está com as as beatas adúlteras? E só falta dizer que não peca mais do que o maior pecador que possa existir por aqui. Pois saiba, seu padreco de uma figa, que a qualquer momento vai ser convidado a ir se queimar todinho em certas labaredas e a ser pinicado pela ponta de ferrão quente...
E chegou assustador diante de um menino, porém antes de dizer alguma coisa ruim teve de ouvir: Deixe de besteira seu vento frouxo. Só eu sei por que você é assim. Como a brisa, aquela moça suave e faceira, não quer nada consigo e vive fugindo de sua presença, então você vive assim, furioso atrás dela e tentando fazer os outros sofrer por onde passa. Nunca vi dizer que uma brisa suave quisesse namorar um vento irritante e irritado. Saiba soprar também o sopro do amor e verá o quanto irá conseguir.
E o vento saiu de mansinho, desconfiado, quase sem forças nem para ir adiante. E foi preciso o menino soprar pra ele seguir pedindo perdão a tudo que encontrasse pela frente. Até encontrar a brisa, até também se tornar brisa, pois o amor junta e depois divide o melhor que há.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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