SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 2 de abril de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: POESIA DA TARDE

                                      
                                                Rangel Alves da Costa*



Conto o que me contaram...
Existem situações cotidianas que mereciam ser melhor observadas, analisadas, sentidas. De repente, por trás de um vento, de uma revoada, de pingos de chuvas, de canto de passarinho, estará verdadeira poesia para ser vista e experimentada sentimentalmente.
Contudo, se afirme de antemão que esse verso espontâneo dificilmente surgirá nos aperreios dos grandes centros urbanos, na vida desastradamente corrida das cidades grandes, nas aglomerações de pessoas, perante os meios barulhentos e ensurdecedores e principalmente diante do olhar que não tem tempo para encontrar a simplicidade.
Assim, através de pequenos e silenciosos gestos, simples ações e acontecimentos inesperados, em meio à beleza da vida bucólica, campestre, pastoril, a vida vem e passa como um sermão delicioso. Do mesmo modo nas cidadezinhas interioranas, com suas ruas tímidas e pessoas mais ainda, no mesmo cotidiano de sempre, as páginas de um grande livro começam a esvoaçar aos olhos de muitos.
Que coisa mais linda aquela janela toda adornada de pequenos vasos de flores, passarinhos voejando ao redor e borboletas fazendo constante vigília. Quando a menina abre a janela, então a tarde é de pura, meiga e doce poesia. Verso no olhar, rima no lábio, palavra bonita de amar.
São apenas duas grandes estacas onde um arame é estendido para roupas lavadas serem colocadas. Mas ao entardecer, quando o vento sopra mais e os panos já enxutos começam a se mexer, a querer voar, a ganhar asas e subir pelo espaço, a sensação que passa é de busca de liberdade, de querer se desprender para novas conquistas. Desse modo, os varais são poesias que sopram aos olhos de cada um que se atenha um instantinho para a leitura daquele livro da tarde.
Pessoas existem que abominam as chuvas e suas consequencias. Parece, contudo, que nunca pararam para olhar e sentir os pingos caindo, o som dos pingos batendo nas vidraças, nos telhados, alcançando o chão já empoçado. Nunca olharam para sentir uma poçinha de água se formando, seu transbordamento e o curso que começa a fazer pelos canteiros. E nesse leito fininho, apressado, as folhas secas sendo carregadas, uma flor que se desprendeu do galho, pedaços de galhagens, talvez uma folha de papel com um poema que não mais será lido.
Após as cores do dia, se observassem bem a partir do entardecer encontrariam outras cores e paisagens que vão se modificando a cada passo, como se o olhar não pudesse fugir um só instante do próximo matiz. O que era sol vai perdendo a cor, se tornando num amarelado mais escuro, depois num vermelho fogo para sumir entre as nuvens, lá bem ao longe no horizonte.
E de repente o cinza da fronteira entre o entardecer e a noite que chega, e logo o marrom, o negrume e um desenho amarelo lá em cima, imenso, enorme, lua cheia que é pura poesia.
E tudo é tão poesia...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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