Rangel Alves da Costa*
Hoje tudo mudou. A sabedoria do povo não possui mais aquela atenção de antigamente. Exageros à parte, mas muitas das crendices populares se confirmavam. Por isso mesmo os temores que os mais velhos tinham de determinadas situações não podiam ser desprezados.
Mas era uma situação difícil. Imaginem as tantas orações, rezas, preces, promessas, ladainhas, terços e procissões para a chuva chegar logo no sertão, e de repente, quando os pedidos eram atendidos, começava um deus-nos-acuda, um avexamento danado, um temor de não acabar mais.
E era assim mesmo. Os velhos sertanejos se entregavam à fé, devoção e religiosidade, e dessa crença maior na proteção divina sobre tudo tinha no pedido para a seca ir embora e as trovoadas caírem uma das maiores preocupações. Diuturnamente imploravam a Deus, no dia de São José, que é o santo protetor da sobrevivência sertaneja, se alargavam os louvores e também a certeza que seriam atendidos.
E quase sempre eram atendidos com rapidez, pois quando caíam os primeiros chuviscos no dia dedicado ao santo protetor, que é 19 de março, era certeza que dali em diante a safra seria garantida, pois as chuvaradas mais fortes não demorariam muito a chegar. E nos dias seguintes realmente começavam as trovoadas.
Tanto pediram, tanto imploraram pelas trovoadas, mas quando o tempo anunciava a sua chegada era causa de outro sofrimento indescritível, pois afligindo na alma, no espírito, bem no íntimo permeado de crenças de cada um. Ora, para aquele povo trovoada significava também temor, medo, aperreamento.
Havia uma crença de que seres raivosos aproveitavam as trovoadas com seus raios, relâmpagos e trovões, para vingança contra os pecados dos homens na terra. Ao soar o barulhar terrificante dos trovões, estariam fazendo com que o povo permanecesse acordado para o medo. Ao enviar os raios cortantes, estavam assinalando que cada um podia ser vítima daquela lança terrível. Além disso, outras estórias medonhas apavoravam ainda mais as velhas sertanejas.
Assim, logo que o tempo escurecia e as nuvens cheias e prenhes tomavam conta dos céus, os trovões começavam a ribombar, espalhando sons amedrontadores, e os raios e relâmpagos cortavam os horizontes enegrecidos, as velhas senhoras corriam em busca do terço, do rosário, à procura de cantos para o ajoelhamento e orações, prostradas aos pés dos oratórios tomados de santos.
E rezavam devotadamente para que os trovões e relâmpagos não trouxessem destruições, para que nenhum raio caísse sobre os telhados, para que a frágil estrutura da moradia suportasse a força gritante da natureza. E depois corriam para encobrir tudo que fosse espelho, colocar panos sobre os vidros, esconder toda panela de alumínio, encher de molambos as frestas das janelas e portas, apagar o maior número de candeeiros que fosse possível.
E depois desse trabalho todo, chamava toda a filharada e se espremiam num cantinho do quarto ou por cima da cama entoando a Oração de Santa Bárbara, a mais apropriada para a ocasião, e com os recortes que a situação requeria:
“Santa Bárbara, que soi mai forte que as torre das fortaleza e a brabeza dos furacão, faça cum que esses raio não me atinja mia famia, os trovão tomem num assuste e nada das trovoada diminua nossa coragem e força pá lutar. Ficai sempre ao nosso lado para que possa enfrentar de fronte erguida e rosto sereno todas as tempestade e batalhas da vida e sair vencendo em todas as luta, cum a consciença do dever cumprido, possa agradecer à minha santinha protetora, e render graças a Deus, criador do céu, da terra e da natureza. Santa Bárbara, rogai por nós. Amém...”.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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