Rangel Alves da Costa*
Não é porto, é margem, é cais, é quase ribanceira. Um abraço, um beijo, um lenço estendido. Um adeus. A tarde está vermelha e ao anoitecer a vela já estará de retorno.
Bem antes que as águas do mar chamassem, bem antes que a imensidão de azul molhado encantasse, já éramos viventes dessas margens encantadas.
Numa vila de pescadores, moradias de palhoças, pequenos casebres encobertos de palhas e protegidos por cortinas de areia, a adolescência se encantava como tudo ao redor.
Barulho das ondas batendo nas pedras, gaivotas voando ao entardecer, ventania cortando o ar, passos na areia molhada, caminhos do nosso cotidiano.
Eu tinha uma pedra e ele tinha um rochedo; eu tinha uma andorinha amiga, ele era amigo da mesma andorinha; gostava de sentir a tarde chegar e repousar sua cor vermelha.
Andando pela areia sozinha, passava por ele que apenas cumprimentava. Cuidado com a maré que vem forte, dizia. Cuidado que a noite vem mais cedo, sorria.
Um dia nos encontramos olhando a distância azul e nos perguntamos o que deveria existir mais adiante, bem mais longe em linha reta, antes de chegar à margem do mundo.
Ele jogou uma pedra na água e depois que ela formou um círculo espumante disse que lá longe existia o mistério mais bonito e desconhecido da vida.
Se o mar já era bonito assim, mas de beleza perigosa demais, isto deveria ser porque guarda segredos que não quer revelar a ninguém, mas que um dia iria descobrir.
E disse ainda que lá adiante onde ninguém nunca chega nem avista, deveria haver um palácio de mistérios com as coisas estranhas que as ondas vinham buscar na areia.
Continuou dizendo que as ondas chegam silenciosas, avançam terra adentro, recolhem o que nossos passos deixaram, nossas mãos escreveram e levam tudo para o palácio.
Na beira da praia tem muito mais encantado do que qualquer um imagina. Tem tristeza e alegria, tem esperança e dor, tem amor e tem saudade, e tudo a onda carrega pra lá.
Mas nem se pense que tudo que vai fica por lá. Se a tristeza é boa, fica; se a saudade é boa, então fica, mas se a dor é dolorida mesmo retorna numa onda qualquer.
Por isso é que por vezes que a gente chega na beira da praia e a onda vai chegando e depois volta, deixando a gente de um jeito diferente, mais triste, mais desesperançado.
Mas também a outra traz muitas coisas boas para quem vive sonhando com a felicidade na beira do mar. Ela traz a esperança, a força e o amor alimentando o coração.
Muita gente chega a chorar na beira da praia, vendo a dança e o percurso das ondas. Não sabe, mas esse choro é a própria onda lavando o ser para um novo tempo.
Por isso mesmo que a beira da praia comanda tudo, comanda a vida, diz o que foi e o que será. Todo aquele que chega nela ao entardecer tem um motivo forte para estar ali.
Seja esperando alguém que partiu pra pescar, seja o seu amor que sumiu numa vela aberta, seja a magia da tarde querendo lavar a alma apenas com o pé descalço se banhando.
Tudo isso ele me disse e ensinou naquela tarde que o mar nos convidava. Pelas palavras dele, até pressupõe-se que as ondas marcaram esse encontro.
Na tarde seguinte resolvi caminhar por ali ao entardecer e vi quando uma onda mansinha chegou aos meus pés e voltou, lavando sem desfazer o meu nome na areia.
Isso mesmo. O meu nome estava escrito na areia e ainda acompanhado de outro dizer que me encantou. Você é a coisa mais linda do mundo. Que a onda apague, mas te amo.
No outro dia avistei ao longe ele riscando na areia. Segui correndo para confirmar e ele nem teve tempo de apagar. O meu nome e a paixão após ele.
Desse dia em diante não podemos mais negar tanto encanto. E o amor já existente em brisa, se fortaleceu ali na beira da praia, perante a onda agitada que veio. E o beijo.
Todos os dias caminhávamos por aqui ao entardecer. Você pescava, mas era na parte mais rasa, de rede ou anzol, sem precisar se aventurar nas distâncias azuis.
Mas ontem você me disse que a vela já estava preparada pra pescar adiante, para ir bem mais longe. E que talvez ainda fosse conhecer o segredo das águas, no seu palácio.
Temendo, pedi para acompanhá-lo. Ele disse que sim, mas quando voltei da palhoça a vela já singrava ao longe e na areia apenas dizendo que me amava demais.
Chorando, olhei adiante e só avistei uma réstia de vela, uma vela apagada naquela imensidão. E já se passaram dois dias que nenhum sinal da chama da vela reacender.
Sei que não mais voltará. Se eu soubesse onde fica o palácio encantado iria tirá-lo de lá, mas já é noite e o que posso fazer é acender mais uma vela, outra vela.
Diferente da dor dos que amam, a vela acesa se apaga. Mas eternamente reacenderei até que a outra vela surja radiante nas águas distantes.
Se nunca mais a outra vela, só mesmo essa vela e eu velando meu amor na beira da praia. A vela da tristeza, do amor e da esperança. E a chama é mais forte na noite...
E a moça sempre abrindo o caminho de sua tristeza à margem das águas encantadas.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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