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quinta-feira, 19 de abril de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: FAZENDA TERRA DOURADA (11)


                                                          Rangel Alves da Costa*


Suspeitando demais, ao perceber aquela cena tão estranha envolvendo os irmãos, o jagunço Celestino bateu à porta do quarto do patrão, anunciou que estava ali e pediu licença pra entrar. Quando o seu pistoleiro preferido agia assim, o Sinhô Badaró já sabia que se tratava de algum assunto sério demais para ser tratado. E sem demora mandou que o homem entrasse.
Ao colocar os pés no quarto, gesticulou para o patrão querendo dizer que precisava segredar-lhe alguma coisa com urgência. Mas o velho Badaró confiava demais no padre ali presente, seu amigo e cúmplice em muitas situações, e por isso mesmo falou que não se incomodasse com a presença do pastor de rebanhos e fosse direto ao assunto. E Celestino foi mesmo:
“Patrão, me desculpe dizer, mas os seus filhos, os dois, Licurgo e Permínio, parecem que estão doidos varridos. Primeiro me chamaram pra perguntar quanto eu queria pra tocaiar e matar esse padre aí...”.
Ouvindo o jagunço atentamente e enquanto levava à boca mais uma talagada de bebida, ao se reconhecer em tais palavras não só o copo caiu, espatifando no chão, como o próprio sacerdote despencou da cadeira de forma espalhafatosa. De batina, caiu deitado pra cima e com as perninhas viradas para o alto. Que cena.
Caído, queria falar e não podia, lhe faltava o ar, o rosto encrespou-se de pavor.  Celestino correu a socorrê-lo e nem bem o colocou sentado noutra cadeira recebeu ordem do patrão para continuar com o que dizia.
A bem dizer, logo na primeira frase do jagunço o Sinhô Badaró mudou completamente o semblante. Agora parecia forte, afoito, destemido, pronto pra levantar dali a qualquer instante. Não se preocupou com o incidente do padre, apenas olhava em direção ao mensageiro com olhos brilhosos e visivelmente tomados de ira. “O padre se assustou com nada, mas vá, prossiga”. Disse.
“Sim. Como eu dizendo, sem ter motivo algum, me chamaram ali num canto pra me tornar no maior pecador do mundo, que é dando cabo desse aí. Até que topei...”. E o padre engasgou de vez, começou a tossir que foi preciso receber um safanão nas costas. E o jagunço prosseguiu:
“Topei só pra ver até onde os dois queriam chegar. Mas quando eu disse que antes de fazer qualquer coisa precisava informar ao Sinhô Badaró, então os dois só faltaram endoidar. Foi preciso eu puxar a arma pra sair de lá, pois eles temiam que viesse aqui falar sobre o que eles pretendiam. Na verdade não sei que maluquice deu neles pra inventar uma coisa dessas, mas só sei que agorinha mesmo vi os dois passando, apressados feito quem tenciona fazer urgentemente coisa estranha, e indo lá em direção à igrejinha, lá pelos fundos, talvez em busca da porta. Fazer lá o que não sei dizer, só sei que bandearam pro lado de lá...”.
“O ouro, o ouro, o ouro, só pode ser o ouro escondido na igrejinha!”. Gritou o padre, levantando rapidamente da cadeira e passando a andar de um lado a outro, e sempre repetindo: “O ouro, o ouro, só pode ser o ouro...”.
O Sinhô Horácio Badaró deu um pulo da cama que parecia refeito de tudo. Mas já em pé colocou a mão no peito e apertou o semblante num gesto de dor. A doença, a doença, a danada não lhe permitia fazer tudo o que queria agora.
Sentou na cama e ordenou que Celestino chamasse urgentemente mais uns quatro ou cinco capangas e fossem impedir de qualquer jeito que os dois retirassem qualquer objeto da igrejinha. Aliás, a ordem era também para expulsá-los de lá a qualquer custo, na base da palavra ou da violência, se preciso fosse.
Assim que o jagunço saiu apressado, o velho coronel levantou calmamente, se dirigiu até uma janela e, de costas para o padre e mirando a vastidão de terras lá fora, foi dizendo:
“Certamente eles ouviram a nossa conversa. A gente falava sobre o ouro escondido na igrejinha e os dois, imprestáveis que são, quiseram antecipar os acontecimentos. Se conseguirem encontrar o maldito ouro e colocar suas mãos em cima daquilo que ainda me sustenta em parte, certamente que daqui a pouco serei um homem morto. E morto não pela maldição da bacia dos pecados, mas pela ambição dos próprios filhos”.  

Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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