Rangel Alves da Costa*
Depois de ouvir assunto tão inesperado e importante, Permínio puxou rapidamente o irmão Licurgo pelo braço e saíram de mansinho para outros aposentos da casa. Ali, com porta trancada, começaram a fazer planos. E logo dá para se imaginar quais tipos de estratégias.
E sem perceber nada do que havia além da porta, o Sinhô Badaró e o velho padre continuavam com o diálogo recheado de segredos. O sacerdote falava o mais baixo que podia, temendo mesmo aguçar os ouvidos das paredes. Mas já havia sido tarde demais. E dizia:
“Vou ter que dar um jeito nisso tudo. A força de Deus irá quebrar essa terrível maldição. Aquela riqueza toda ali escondida nas paredes da capelinha não pode e nem deve ficar a serviço do mal. É até contraditório que aquilo que está alimentando o mal esteja guardado na casa do Senhor, pois aquele templo, por mais pequenino que seja, é a casa do Senhor...”.
“E o que pensa em fazer, padre?”. Indagou o coronel. Ao que ouviu como resposta:
“Vou ter que procurar a Velha Totonha para fazer um pacto com a danada da escrava. Não sei se ela vai aceitar, pois às vezes até penso que ela continua viva e tendo ainda forças para muitas coisas devido ao que guarda ali nos fundos de sua casinha. O mal, meu amigo, tem disso também, procura dar forças a quem estiver a seu serviço. Tudo uma ilusão, mas infelizmente é assim que funciona. Você corre o risco de morrer se a água da bacia for derramada, e com ela não pode ser diferente. A fúria do mal acaba arrancando também a velha raiz calejada, vez que ela não terá mais nenhuma serventia como guardiã da bacia...”.
“E então, padre, e então, como será esse pacto entre você e a velha?”. Questionou nervosamente o dono de terra e gente. E o padre, após virar um copo cheio de licor, continuou:
“Sozinho, tenciono ir até lá para rezar missa naquele quartinho escuro. Abrirei a porta, afastarei algumas telhas e deixarei o sol entrar com a maior força que puder. O mal não gosta de luz nem de corrente de vento, mas apenas do que for escurecido, fechado, morno, de modo que o seu ambiente não seja modificado. Em seguida, ao invés de pedaço de ouro colocarei uma cruz dentro da bacia. Celebrarei a missa, invocarei as forças do Senhor para afastar todo o mal ali existente. E depois virá a parte, infelizmente, mais perigosa...”.
“E por que, padre, por quê?”. Sobressaltava-se o acamado. E o velho sacerdote aproximou ainda mais a cabeça para dizer:
“Porque derramarei água benta por cima daquela putrefação, daquela gosma de pecados, daquele lodo imundo. Com a água benta, límpida e cheia de vida, a água suja começará a transbordar. Será o bem tomando o lugar do mal, será a vida tomando as forças da perdição. E colocarei cada vez mais água benta até que a outra água vá se derramando, vá saindo da bacia. Até que...”.
“Mas se água da bacia for derramada eu corro o risco de morrer. Se minha sina para continuar vivendo é estar alimentando aquela água da bacia, então morrerei se aquilo for derramado...”. Agitava-se todo o Sinhô Badaró ao fazer tais constatações e temer pelas consequencias. Não menos nervoso, o padre prosseguiu:
“Não deixa de ser verdade. Se sua vida está atrelada aos tantos pecados cometidos e se reparar os pecados significar a morte, então correrá mesmo esse risco. Não haveria como ser diferente. Mas cabe a você decidir se quer continuar fazendo o jogo do mal, agradando-o até quando ele queira, e depois morrer subitamente e ir diretamente para as profundezas, ou se quer reparar os erros e com fé e esperança divina continuar vivendo como pessoa normal. Cabe a você decidir o que deseja para si. Como já percebeu, nem ouro a bacia dos pecados está mais aceitando, e por isso mesmo você está se fragilizando. Se não tentar reparar logo essa situação será tarde demais. Então, meu amigo, no meu entendimento não há saída, pois ou aceita correr o risco de morrer limpando a água daquela bacia ou corre o risco de viver, transformando a água espelhando o pecado em água benta espelhando vida. Decida”.
Continua...
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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