Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Deu sorte que a cobra de bote armado na beira da estrada não avançou sobre seu calcanhar. O gavião veio por trás para lhe salvar. A bicha esperneou, se bateu, quis arreganhar a presa e soltar veneno, mas não teve jeito. Foi a sorte dele. Mas será que teria a mesma sorte dentro da mata?
Levando alforje, cantil, saco nas costas, uma velha espingarda e uma vontade danada de matar uns dois preás para o almoço, fez o certo ao se benzer antes de colocar os pés além da fronteira da mataria. Esse passo é sério demais pra se dar, é sagrado, é coisa de vida, de sorte, de tudo, de morte.
Como dito, o benzimento é sempre sagrado pra quem vai se arriscar na mataria. Ou se benze e pede proteção contra o desconhecido que estará pela frente, ou não dá nem cinco passos para logo começar a lhe acontecer os aperreios. Teve um que recebeu logo um lanhão no rosto de ponta de catingueira, outro tropeçou numa pedra e caiu bem em cima de uma jararaca adormecida.
Por isso mesmo todo cuidado é pouco ao colocar o pé dentro da mata. Dizem os mais velhos que quem entrar ali na intenção de caçar não pode esquecer, sob hipótese alguma, das oferendas para os protetores da floresta. Se não levar fumo pra caipora nem querosene pra mula-sem-cabeça é melhor nem seguir adiante.
Então, levando a oferenda, fazendo o benzimento, entrando devagarzinho, com cuidado, então tudo bem. Mas tudo bem somente pra entrar, pois uma vez lá dentro a coisa é muito diferente, a situação é muito mais complicada do que se imagina. É que além da caipora, do curupira, da mula-sem-cabeça, da cuca, do saci-pererê e outros seres fantásticos, a mata está completamente tomada de outras surpresas.
É preciso, pois, cuidado, muito cuidado. Se encontrar mais de três cágados caminhando apressados é bom olhar pra cima, apurar o ouvido e tratar de retornar logo pra casa, pois é certeza da chegada de trovoada braba, com relâmpago e trovão. Se avistar pedras se mexendo nem chegue perto, pois ali estará uma cobra grande enrodilhada, se fingindo de lajedo esperando o cabra chegar perto.
Nunca vá entrando em vereda muito fechada nem em moita de muito cipó porque poderá encontrar o indesejado. É na moita densa que o bicho perigoso se esconde, é por trás e dentro do tufo de planta que estará uma garra faminta pronta pro ataque. Primeiro jogue uma pedra, duas, três, e depois espere uns três minutos até ter certeza que nada faz barulho ou se move lá dentro. Mas na dúvida é melhor nem chegar perto.
Se for abrindo picada e caminho com facão vai fazer raiva a muito bicho. Ninguém gosta que o forasteiro vá chegando e derrubando tudo que encontre pela frente, principalmente quando se trata de moradia, pois a mata é a grande casa. Do mesmo modo não adianta ir atirando a torto e a direito. Se fizer isso o chumbo vai bater numa pedra adiante e voltar pra onde saiu. É o ser do mato que faz assim para se vingar.
Contudo, o melhor a se fazer é olhar para a mata que se estende ao redor e sentir como se ali fosse o seu outro lar. Se for daqueles que destrói tudo o que tem, então não há que se esperar coisa boa. E não há de se esperar também que volte de lá.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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