Rangel Alves da Costa*
Diz a expressão latina: Ad kalendas graecas, Ad calendas graecas, as calendas gregas. Dia de São Nunca. Dia que jamais chegará. Mas por que, se tudo há de chegar ou acontecer um dia?
Kalendas ou Calendas (de calendário) era o primeiro dia do mês romano, quando geralmente eram feitos os pagamentos. E como os romanos não aceitavam muito bem a influência da cultura grega, então diziam que o pagamento só iria acontecer nas calendas gregas, ou seja, no Dia de São Nunca.
Assim, São Nunca é uma expressão utilizada quando alguém quer se referir a um acontecimento que jamais ou dificilmente irá ocorrer. Ao referir-se a pagamento, logo indica que este jamais será realizado. Contudo, há muito mais por trás dessa expressão querendo indicar sobre algo difícil ou impossível de ser concretizado.
Verdade é que São Nunca não só existiu como continua existindo e com grande séquito de devotos por todos os cantos e recantos. É padroeiro de muitos e lembrado intimamente por mais gente do que se imagina. E sua comemoração é automática, ocorrendo sempre que alguém mente intencional e premeditadamente para o outro.
São Nunca é o santo padroeiro dos falsos e mentirosos, que vivem urdindo canalhices achando que nada nunca lhes acontecerá; é também padroeiro dos larápios, dos maus pagadores, dos velhacos. E nem precisaria maiores explicações, vez que gente desse tipo tem no tempo que se alastra a sua grande esperança de ir dando por esquecido o compromisso assumido.
Todo aquele que comete um ilícito com previsão de pena e foge torna-se devoto de São Nunca. Seu sonho maior é que nunca seja alcançado para reparar o erro cometido. Até que ocorra a prescrição, tem que se apegar mesmo é no milagre do santo. Também se torna fervoroso devoto o que verdadeiramente se arrepende dos pecados praticados. E vive dizendo a si mesmo que mais nunca incorrerá naquelas impensadas atitudes.
Contudo, não há maior devoto de São Nunca do que aquele que tem um parente ou amigo passando por problemas de saúde. Ainda que saiba que a situação é difícil, complicada demais, contudo jamais perde a esperança de cura. Daí que pensa em tudo, mas nunca na morte, pois esta é consequencia inaceitável e que nunca acontecerá. A morte, essa indesejada visitante, de tão rejeitada acaba sendo relegada ao plano do São Nunca, ainda que venha depressa demais.
Em muitas outras situações velas são acesas para São Nunca, preces em seu louvor são contritamente entoadas, igrejas são erguidas em seu nome nos pedestais da esperança. Tudo acontece com os outros nos outros lugares, mas graças a São Nunca jamais chegarão as sangrentas guerras, os furacões, os tsunamis, os terremotos devastadores, a natureza furiosa cobrando o que fazem com ela.
Também graças a São Nunca as doenças ruins estarão sempre distantes, as mazelas familiares jamais entrarão pela porta, a vitimização pela violência, sucumbir diante das atrocidades cotidianas que não escolhem suas vítimas. Com fé em São Nunca nada disso acontecerá, pensando sempre em fazer valer o velho ditado dizendo que as coisas ruins só acontecem com os outros. E talvez porque apegados demais ao santo protetor.
O problema maior para os tais devotos é não querer acreditar que as coisas inevitavelmente acontecerão. Fazem realmente tudo como se o passo seguinte não precisasse ser dado nem que amanhã surgirá outro dia com uma nova feição. Se fosse somente a felicidade, tudo bem, pois ela bem que poderia se eternizar. Mas não, o fogo apaga, a brasa se torna em cinzas. E o vento a tudo leva. Assim é a vida, assim é tudo na vida.
Ainda que não para todos, mas o amanhã sempre chegará; o tempo de agora já não é mais porque se apressa em fazer acontecer o novo; o novo envelhece porque chega o dia em que o espelho já não pode negar; o descaso de agora se tornará em saudade quando a morte chegar. E eis que a morte sempre chega. Bom seria se ela só chegasse no dia de São Nunca, mas ainda assim inevitavelmente chegaria.
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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