SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 21 de abril de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: FAZENDA TERRA DOURADA (13)


                                                       Rangel Alves da Costa*


A Velha Totonha tomou a frente da filha do patrãozinho pedindo pelo amor de Deus e por tudo na vida pra que ela desistisse de ir até o quartinho. Disse aflita que a mocinha não estava preparada pra desconhecido igual aquele, não entenderia nada do que havia ali dentro e talvez não suportasse as consequencias do que pudesse ser avistado.
Contudo, resoluta, demonstrando coragem, Engracina pediu que a boa mulher a perdoasse por aquela atitude, por aquele gesto impetuoso, mas que não poderia deixar de conhecer e saber a verdade, olhando com seus próprios olhos aquela maldita bacia que tanta aflição vinha causando. E seguiu adiante, chamando a velha escrava para lhe acompanhar.
A velha amiga se benzeu e seguiu na frente, apontando logo adiante em direção ao quartinho. A filha do Sinhô Badaró perguntou se estava trancado e a nervosa amiga estendeu-lhe a mão, mostrando a chave. “A senhora vai entrar comigo ou prefere que eu vá sozinha?”. Indagou a mocinha.
A velha escrava respondeu que jamais deixaria que ela entrasse ali sozinha, porém antes precisava fazer uma coisa. Puxou Engracina pelo braço, levou-a mais para o lado e ali se abaixou junto a plantas medicinais e de outras finalidades, quebrando galhos e mais galhos, formando um estranho buquê verdejante e de cheiro bastante forte. Em seguida, olhando para o alto, com os braços levantados, murmurou algumas palavras e depois traçou sinais pelo ar com o seu ramalhete.
Após se benzer e fazer o mesmo no tufo de plantas voltou-se para a mocinha e pediu que de olhos fechados rezasse o Pai-nosso por três vezes. Terminada a reza, a velha escrava levantou as galhagens, tocou com elas a cabeça, os lados do rosto, os ombros, os dois braços e cruzou o corpo inteiro. A seguir pronunciou as seguintes palavras:
“Com a força de Deus Todo-Poderoso, em nome de Jesus Cristo, nosso Redentor, e pela intercessão da Virgem Imaculada, ó Deus Espírito Santo, ordenai a todo mal presente, a todos os espíritos impuros, que se afastem desse lugar, que não atinjam nem afetem o espírito puro dessa menina Engracina, que nos deixem imediatamente para nunca mais voltar, que vão para o fogo eterno, acorrentados pelo Arcanjo Miguel, por São Gabriel, São Rafael e por nossos santos, Anjos da Guarda, e esmagados pelos pés da Santíssima Virgem imaculada. Amém”.
Finalizados tais preparativos, Engracina perguntou se já podia abrir a porta. A velha apenas balançou a cabeça afirmativamente, mas com expressão temerosa e entristecida demais. A chave foi colocada e num só giro a porta foi aberta, mas a velha gritou dizendo que não entrasse ainda que ia buscar um candeeiro. Voltou num instante com o pavio já aceso. Entregou-o à mocinha que foi entrando cuidadosamente.
Deu uns três, passou os olhos sobre as oferendas, amuletos e outros objetos pendurados ou espalhados pelos cantos e logo perguntou onde estava a tal bacia dos pecados. E a velha respondeu: “Quase na sua frente. Abaixe mais o candeeiro e veja que ela tá quase à na frente”. Engracina fez como ela mandou e em seguida deu um grito terrível, quase derrubando a rústica luminária.
E não era pra ser diferente. Assim que olhou a bacia viu o rosto crispado do seu pai e de sua boca jorrando uma gosma de indecifrável cor. Deu rapidamente um passo pra trás e disse: “Mais isso vai ter um fim. E vai ser hoje”.
Enquanto isso os jagunços capitaneados por Celestino tentavam se acercar dos fundos da igreja e não conseguiam de jeito nenhum. Quando já estavam a pouca distância, os animais começaram a relinchar, a parar repentinamente e a dar saltos como se não quisessem seguir adiante. Quanto mais eram esporados e chibatados mais levantavam as patas dianteiras pelo ar e retrocediam, forçando retirada dali.
Era como se os animais estivessem assustados e evitando encontrar algo que não queriam. Isso acontece muito pelas estradas, quando procuram proteger seus donos ao sentirem que algo muito estranho está nas proximidades. Desse modo, completamente impedidos de prosseguir, enraivecido com essa estranha situação, o jagunço Celestino acabou dando um tiro para o alto.
E foi pior. Todos os cavalos saíram em disparada, completamente desembestados, levando junto seus cavaleiros.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: