Rangel Alves da Costa*
Quando Engracina ouviu falar sobre a bacia dos pecados ficou em tempo de endoidar. Jamais tinha ouvido nada parecido e tão assustador, e por isso quase sacode a Velha Totonha para que a mesma dissesse logo sobre o que realmente se tratava a tal bacia.
E como quem não se afligia mais com nada, a velha escrava continuou:
“O preto véio que amardiçoou o ouro tomem fez uma bacia de barro de sete lua e lá dento botou água do ribeirão adonde os escravo muntas veiz ia lavar o sangue derramado pela chibata e pelo tronco de sua famia, de seus antepassado. Mai num parou aí não, poi encheu a bacia e fez mandinga pá que dali em diante ela refletisse todos os pecado de cada um de sua famia. Desse jeito, os pecado cometido pelo seu bisavô tava ali dento da bacia, e do mermo jeito os pecado do seu avô e do seu pai. E o pior é que quano cada um óia pá dento dela se vê errano e praticano injustiça. Seu bisavô morreu louco pru causa dixo. E depois do que acunteceu cum ele, entonce seu avô teve que todo dia levar um naco de ouro pá lavar na bacia e desse jeito acarmá a força das água com seus pecado. Adespoi que seu avô morreu, cuma guardiã da bacia e gostano munto do coroné seu pai, o Sinhô Badaró, eu pensei em nunca chamá ele pá mostrar a bacia e ele ter de cumeçá a cumprir cum sua obrigação. Achava que ele num sabeno nunca ia acuntecer o pior. Achei que aina tinha força pá sofrê as consequnça de fazer isso. Mai o danoso do preto véio me aparecia pá judiá, pá dizê que eu tinha de dar cunhecimento a seu pai sobe o amardiçoamento que lhe esperava. Sofri munto decidida a num fizê nada ao Sinhô seu pai. E tudo pruquê gosto munto de vosmiceis. Ia sofrê inté morrê pru causa dixo, eu bem sabia, mai tava decidida a não dizê. Mai um dia seu pai achou de entrar pru conta pórpia no quartim adonde tá a bacia e ficou sabeno de tudo, poi quano oiou dento da água se encontou pecando, fazeno as coisa errada. Era cuma se ali tivesse um espelho mostrano tudo de ruim feito até aquele momento, do mermo jeito que o erro feito adespoi já ta tomem prulá. E o Sinhô Badaró, coitado, ficou em tempo de enlouquecer, ficou mariado e foi perciso eu dar um chá dos bão. Adespoi tive que contá toda verdade tanto a ele cuma a sua mãe. Por isso mermo é que sua mãe ou seu pai todo dia vai lavar um pedacinho de ouro nas água da bacia...”.
Engracina estava em tempo de enlouquecer com tal revelação, porém ainda sem entender direito o mistério todo ali envolvido. Então perguntou se a causa da doença do pai estava relacionada àqueles objetos amaldiçoados, tanto o ouro como a bacia. E a velha escrava respondeu:
“Minha fia, num posso negá nada a quem tanto gosto, purisso mermo tenho de arrespondê que sim. O ouro que é levado da igrejinha pá acarmá a bacia cada veiz mai turva num tá mais fazeno ninhum efeito. Me adescupe dizê, mai os pecado de seu pai é tanto que a água num se alimpa mai nem cum ouro de maió quilate. Sua mãe chega ali com o punhado de ouro, joga dento, vira e revira e as água se acarma um pouco, mai depoi, sem demorá munto, se revorta de novo, chegano até saí de lá de dento uns grunhido danoso, uns gimido de arrepiá. E entonce acho que é pru causo dessa água desse jeito que seu pai tá adoentado. E pió é que vem mai doença ruim, vai ser atacado pru outas molestas que médico ninhum nem remédio argum vai dá jeito...”
“E por que a água dessa bacia está assim tão suja, Mãe Totonha? Meu pai tem tanto pecado assim pra até uma bacia amaldiçoada rejeitar a limpeza que ela mesma exigia? Que pecados são esses, Mãe Totonha, a senhora sabe?”.
A velha baixou a cabeça, pensou várias vezes sobre o que falar, então resolveu dizer apenas parte do que sabia. Não iria se sentir bem ferindo a amiga de modo tão profundo. E disse:
“Seu pai, o Sinhô Badaró, nunca foi fulô que se chere. Se aina fosse tempo de ter essas terra cheia de escravo, num duvido que ele fosse o mai marvado dos coroné, dos sinhô de escravo. Pelo que ele faiz cum os empregado já dá pá vê a mardade que ia fazê. Seu pai, minha fia, inté parece que num tem coração pás pessoa mai pobe, os empegado, aquele que vive a seus pé. É daquele que a quarque momento manda um se abixá pá lambê suas bota e adespoi dá um chute na cara. Mai o pió num é nem isso, mai sim a mardade que ele já fez e faz cum tanta inocente, cum tanta mocinha pobe e inocente que tem que abri as perna a pulso pá ele montá. Pega as bichinha pá fazê coisa feia e adespoi deixa elas quasi desquartejada. Os pai, coitado, ou se cala pru doi réi ou acaba cum a boca cheia de formiga. Se é a verdade, a verdade é pá ser dita. Seu pai, minha fia, é ansim...”.
Continua...
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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