SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 21 de agosto de 2012

DEPOIS DA TARDE, AO ENTARDECER... (Crônica)


                                            Rangel Alves da Costa*


Pedi ao silêncio uma voz para gritar que não suporto mais.
O voo do dia tem pouso certeiro. No ninho que adormece há o meu despertar para viver o entardecer.
E como dói a tarde, o entardecer, a janela aberta, o vento soprando, a valsa na cortina, o sol avermelhando lentamente. A brasa seguinte queima bem nos meus olhos.
Como sina e destino, esperando sempre esse momento com sorriso nos lábios e lenço na mão. Não sei viver se não for assim. Tão alegre e tão triste por tanta saudade que existe.
Minha alegria vem da recordação, dos tantos momentos idos e vividos, num véu que se abre para um tempo bom.
Minha tristeza vem desse mesmo tempo ido, com as sementes plantadas, muitas vezes colhidas, mas que foram sumindo do meu celeiro de esperanças.
Choro e sorrio por tudo isso, pelo passado e pelo construído, pela tristeza de não ter consumido mais para agora não estar sentindo tanta falta.
Bem ali na parede há retrato e fotografia, naquela gaveta estão os bilhetes e cartas, por todo lugar uma feição do que fortemente existiu. E quanto dói a presença sem ter.
Naquele porta-retrato na estante há um rosto emoldurado, já antigo pela saudade. Toda vez que o encontro no olhar sinto o sorriso e a dor, sinto a distância e a vontade de estar aqui.
Mas noutro lugar existe um retrato guardado que não posso tirar de lá. Traria para o meu lado o passo de um dia, a mão apertada, a pele suave, o rosto bonito, a boca querendo se abrir para dizer coisas bonitas.
E quantas coisas belas já ouvi daquela boca, quantas vezes já me aproximei do lábio quente para dizer que não dissesse mais nada. Apenas fizesse, apenas compartilhasse, apenas vivesse.
E depois que a vida inventou o tempo e o calendário esqueceu de marcar novos encontros, tudo foi se diluindo ao sabor das horas que ferem, dos minutos que matam, dos segundos do nada mais existir.
Eu ainda tinha e tenho um encontro marcado contigo. Eu tinha uma pergunta e você uma resposta; e quero ainda ouvi-la para poder dizer só mais uma coisa. Talvez o silêncio também sirva, vez que o olhar escolhe sempre a palavra certa.
Mas vou te encontrar ainda. Nunca desesperei com o tempo passando, a idade avançando, o calendário mudando tão rapidamente. Não somos como águas do rio que nunca voltam ao mesmo lugar.
Só me falta mesmo a presença física, o tê-la diante de mim, o sentir o aroma tão perfumado. Só me falta isso porque já a tenho todos os dias de outra forma. Tenho-a aqui, nessas tardes, em cada entardecer que chega.
E ontem sonhei que hoje não seria um dia qualquer, mas o instante de dar um basta nisso tudo de vez. Seria a última tarde de sofrimento, de dolorosamente recordar, de tristemente sofrer.
Seria também o dia que o sorriso surgido na doce recordação poderia ficar para sempre na minha face. Bastaria que não vivesse somente para relembrar, mas para ter em mente apenas o que de bom foi vivido.
O amor que não frutificou como desejado, o querer que não se fez união, o desejo que não conseguiu vencer os desafios de então, se bastaria no que foi conseguido nesse recorte de tempo. E a felicidade viria exatamente em viver somente o que foi felicidade.
Quem verdadeira ama faz assim, sei disso. Não importa que o outro não esteja mais ao seu lado, não queira mais olhar no olhar, não queira dar uma palavra sequer, pois o que importa é o amor que sente, ainda que sozinho.
Talvez eu seja assim, talvez eu esteja assim. Amando tanto sem amor, e amando o amor que me faz tanto assim.
Ora, se sinto a presença de Deus na oração, por que não haveria de beijar meu amor em todas essas tardes de brisa e de relembrança? Não sei onde está, mas sei que está aqui. E tudo porque quero assim, sempre...



Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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