SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 17 de agosto de 2012

JANELA ABERTA (Crônica)


                                         Rangel Alves da Costa*


Manhã, tarde, noite ou madrugada. A brisa passando, o vento soprando, a ventania açoitando, e a janela aberta...
Esqueceram assim aberta, alguém se esqueceu de fechar, lá dentro não mora ninguém? Desde quando está assim, aberta, se movendo ao sabor do tempo, dançando de lado a outro ou estática de vez em quando?
Não é de hoje nem de ontem, mas desde muitos dias atrás que a janela está assim, aberta, batendo, parada. Ou será desde outros tempos? Passei diante dela ao amanhecer e ao entardecer, em dias seguidos, e não pude avistar qualquer movimentação do lado de dentro.
A janela é lateral numa casa de porta também continuamente fechada. Não sei se do lado de dentro, após a janela, há um quarto, uma sala, saleta, varanda ou qualquer outro tipo de dependência.
Já tive vontade de me aproximar um pouco mais, abrir mais a janela, lançar o olhar ao interior da casa, observar se existe alguma movimentação lá dentro, talvez chamar por alguém. Outro dia sentei num tronco mais adiante e ali permaneci em observação por mais de uma hora. E nenhum sinal de habitante.
Contudo, ontem passei por lá novamente e um fato me deixou ainda mais intrigado. Era a mesma janela, o mesmo vai-e-vem da ventania, o mesmo sombreamento lá dentro, mas no parapeito havia um caqueirinho de planta.
Caqueiro pequenino, com uma planta também pequenina, mas dela brotando uma florzinha belamente avermelhada. Logo imaginei que aquilo não poderia ser verdade, estar existindo diante do meu olhar, vez que sem sinal de morador seria impossível de o caqueiro estar ali.
Continuei não acreditando nos momentos seguintes. Quis ir até lá bem pertinho, olhar bem pertinho, tocar no objeto para sentir sua veracidade. Até dei uns passos nesse sentido, mas recuei quando percebi uma borboleta voando ao redor. Era caqueiro sim, era planta e era flor! Não havia mais como duvidar.
Recuei, sentei novamente no tronco e ali permaneci esperando que alguém aparecesse. Se alguém havia colocado o caqueiro ali, então certamente estaria lá dentro e a qualquer momento poderia aparecer, colocar a cabeça no entrevão da janela.
Esperei por mais de uma hora sem resultado algum. Apenas a janela aberta, a plantinha com flor na janela, o vento açoitando, e nada mais que isso. Voltei no dia seguinte, nos dias posteriores, durante todo o mês. Nada de ninguém aparecer, mas o caqueiro continuava por lá.
Comecei a pensar que talvez a casa estivesse desabitada desde que passei a morar ao redor, que realmente não havia qualquer morador lá dentro e que aquele caqueiro havia sido colocado ali por alguém de passagem. Aproveitou a janela aberta, o largo umbral, e ali deixou a plantinha com sua jovem flor.
E tal pensamento logo me levou a outro ainda mais intrigante. Eis que me lembrei dos vasos de flores colocados nos cemitérios como homenagens aos falecidos, num gesto de dolorida saudade e entrelaçamento espiritual. Será que aquele caqueiro com plantinha e flor havia sido colocado ali para reafirmar a saudade de alguém que se debruçava na janela?
Tal situação me deixava completamente atormentado. Pensei em sair perguntando alguma coisa aos moradores mais antigos, pensei em bater na porta, pensei em chamar pela janela aberta, pensei até em pular para o outro lado. Mas nem uma coisa nem outra.
Continuando sem saber o significado daquela planta de única flor, decidi não quebrar de vez aquele mistério, até por respeito ao desconhecido. Sem olhar pra dentro nem chamar, me aproximei o máximo da janela e pude perceber o quanto havia crescido a flor, agora brilhante e majestosa. E o caqueiro com terra umedecida, como se todos os dias alguém fosse até ali para despejar um pouco d’água.
Deixei tudo como estava e voltei. Segui rumo à minha montanha para falar com Deus, mas antes da curva da estrada olhei pra trás e vi uma mão estendida pelo lado de dentro, arrancar a flor, levá-la à altura do rosto, permanecer assim por um minuto, e depois fechar a janela.
O tempo passou, a janela não mais se abria, o vento não mais entrava e saía. Depois de muito tempo fiquei sabendo do amor impossível de um dia, da mocinha na janela, do enamorado que apenas podia avistá-la de longe. Mas coisa de mais de cem anos passados.
Um dia resolvi abrir a janela novamente. E fiz mais, pois após empurrá-la pulei do lado de dentro e me debrucei no umbral para sentir como é a dor do amor, a tristeza da solidão, e a vida e a morte em comunhão...



Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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