Rangel Alves da Costa*
O tempo acompanha a duração da existência dos seres e das coisas, dá curso e percurso aos fatos; as horas marcam a passagem do tempo e vão envelhecendo o não realizado. A realização se preserva, tem continuidade, diz por si mesma de sua existência.
E por que, então, deixar a vida dentro de um baú, inexistentemente envelhecendo, ao invés de torná-la sempre presença ativa? O indivíduo sempre esquece o que ao relógio cabe simplesmente tornar passado. Nas horas passadas está a vingança do tempo pelo nada feito no percurso que lhe foi permitido realizar.
O tempo, disposto no calendário, no relógio e nas horas, espera sempre uma ação. O tempo é curto demais, corre disparado, é apressado em tudo, não espera nada. Ainda assim há tempo para se fazer tudo. Ou quase. O primeiro passo da ação é que precisa ser dado, sob pena de o relógio se tornar inimigo daquele que se omitiu no seu momento de agir.
Diz o Eclesiastes que há um tempo pra tudo. Para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo dos céus: tempo para nascer, e tempo para morrer; tempo para plantar, e tempo para arrancar o que foi plantado; tempo para matar, e tempo para sarar; tempo para demolir, e tempo para construir; tempo para chorar, e tempo para rir; tempo para gemer, e tempo para dançar; tempo para atirar pedras, e tempo para ajuntá-las; tempo para dar abraços, e tempo para apartar-se. Tempo para procurar, e tempo para perder; tempo para guardar, e tempo para jogar fora; tempo para rasgar, e tempo para costurar; tempo para calar, e tempo para falar; tempo para amar, e tempo para odiar; tempo para a guerra, e tempo para a paz.
Mas tão infinito é o tempo, com tanto afazer nesse percurso, que ao homem não cabe senão se contentar com o seu calendário próprio. Nesse calendário marcando desde o nascer ao morrer, não lhe resta outra coisa a não se aproveitar os anos, os dias, as horas, cada segundo. Diferentemente do sino da igreja que anuncia a hora da missa, não há outro badalar no homem que não a sua responsabilidade, o seu fazer perante a vida.
Há o tempo de começo e de fim. O galo canta anunciando o tempo de levantar, a chuva cai anunciando o tempo do plantio, as dores aumentam anunciando o tempo de nascer, a fome vem avisando sobre o tempo de comer, o corpo enfraquece anunciando o tempo de se cuidar. E tudo é anunciado, dito, gritado, nada passa despercebido pelos seus sinais. E por que fecham olhos e ouvidos para esse grito constante?
Não há nada mais amigo do tempo do que o cuidado, a atenção, a preocupação em não perder oportunidades importantes. Ora, o tempo, apressado que é, não tem tempo para voltar atrás, dar outra oportunidade, deixar fazer o que não foi feito. Ou a pessoa está atenta ao que deve ser feito naquela oportunidade ou correrá o risco de levar o resto da vida se arrependendo.
Dentre tantas outras, o arrependimento é uma das formas com que o tempo procura se vingar dos desatentos, omissos, negligentes. Tem-se tempo demais para o cuidado, para o remédio, para preparar a viagem, para estudar, para fazer aquilo que é importante, para o encontro marcado, para se preparar para o acontecimento. Entretanto, somente quando já não há mais nada a fazer é que surge o arrependimento.
Quando a idade avança, o corpo enfraquece, as doenças surgem mais facilmente, as recordações chegam em ventania, então é que os arrependimentos se tornam fios cortantes, dilacerantes. Arrepende-se por ter tido tanto tempo e ainda assim não cuidou melhor da saúde, não viajou mais, não procurou viver com mais intensidade, não aproveitou os melhores momentos surgidos.
Houve um tempo de amar e não amou suficientemente o amor que o outro reconhecesse; houve um tempo para construir um castelo e se contentou em juntar areia na beira da praia; houve um tempo de perdoar, de agradecer, de sorrir, de dar as mãos, e nada disso foi feito. Deixou pra depois.
E o tempo passou, como tudo passa, menos a dor de não ter realizado o que deveria. Como diz a música, devia ter vivido mais, amado mais, ter visto o por do sol. Mas já é noite. E o tempo só retorna para receber o próprio tempo, na manhã que não mais cabe ao homem.
Poeta e cronista
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