Rangel Alves da Costa*
Uma árvore no meio do mato, numa mataria distante, e numa lasca aberta no tronco dois nomes por cima de um coração desenhado.
O passarinho que se torna visitante do quintal, depois começa a entrar na cozinha, belisca o bolo que foi esquecido descoberto, e mais tarde nem se assusta mais nem alça desesperado voo quando sente a chegada do amigo.
Um sapato, nem tão velho assim, deixado debaixo de um banco de jardim. Quem será o dono, por que deixou ou esqueceu ele ali, será que vai retornar, até quando o sapato será avistado naquele mesmo lugar?
A chuva lá fora, o vento soprando, a natureza sussurrando. A mocinha tristonha no quarto, querendo abrir a janela para voar. E depois se contenta em colocar o rosto juntinho ao vidro embaçado. E o lábio dela fica lá na marca do batom, sentindo frio, pertinho da chuva, se derramando aflito...
Caminhar devagarzinho pela beira da praia ao entardecer, mirando a lonjura das águas, se esforçando ao máximo para não chorar. E avistar um barquinho que vem pequenino, vai crescendo ao se aproximar, mas é trazido pelas ondas sem ninguém dentro dele. Apenas uma flor, uma fotografia e um bilhete. O que estará escrito?
Um lugar distante, uma estrada, uma casa, o silêncio profundo ao redor, a brisa que sopra tristonho, uma janela aberta, um caqueiro de flor morta no umbral. Um caminhante sedento, um toque na porta, uma olhada pela janela, um olhar para a flor morta. Um sorriso. Por quê?
Anos e anos e todos os dias ela fica no cantinho da janela esperando o carteiro passar. Todo dia ele passa e sempre segue adiante. E todo dia ela entristece mais, se toma de angústia e aflição. Até que numa tarde que havia decidido não mais se iludir com esperanças, ouve a voz do carteiro no portão, segurando uma carta na mão. E que momento mágico no olhar ao ler o nome dele.
De vez em quando subir na montanha, na montanha mais alta que possa existir ao redor ou mais distante. E lá de cima, sem pressa alguma para retornar, ter tempo para orar, conversar consigo mesmo, admirar toda a beleza da criação, agradecer por existir e poder apreciar tanto esmero na divina arquitetura, e depois ouvir a voz do Criador.
Não ser poeta, pouco saber de poesia, ter dificuldade na escrita, mas ainda assim se esforçar o máximo, desenhar as letras curvas, rimar amor com dor, flor com sabor, beijo com desejo, e tudo para mais tarde jogar o bilhetinho amassado com o poema na janela de sua amada. E ao encontrá-lo, ela correr feliz até a janela para expor aqueles rabiscos à luz do sol. Também não sabe o que é poesia, nem sequer sabe ler. Mas joga um beijo na direção do apaixonado. E nem Shakespeare alcançaria tamanha perfeição naquele verso tão primoroso.
Uma casa velha, uma tarde velha, uma velha senhora, uma velha cadeira de balança, um olhar tão velho que pouco enxergava adiante. Mas tudo adiante era tão velho, tão conhecido, tão a mesma coisa de sempre, que quando passou um velho ela chamou-o pelo nome do esposo há muito falecido. Mas o velho era tão velho que nem ouviu.
Uma tarde sentada na pedra do cais. Uma revoada azul, uma nuvem com coração desenhado, a ventania que passava e voltava, o horizonte querendo incendiar porque era entardecer. E o mar avançando, a onda trazendo uma garrafa em seu leito. Uma mão segurando a garrafa e cacos de vidros espalhados por cima e adiante da pedra. Um olhar sobre o bilhete e uma lágrima caindo: “Tanto te amo, mas ao ler este bilhete há muito que não mais existo por estes caminhos ladeados de heras, angústias e sofrimentos”.
Nunca ter beijado, e ao primeiro beijo pensar ter voado. Nunca ter amado, e na primeira vez pensar ter voado ainda mais alto. Nunca ter ficado apaixonada, e ao sentir a paixão mais envolvente, pensar ter caído de um lugar bem alto, e por cima da mais dura e cruel realidade da solidão.
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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