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quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O AMOR ATRAVÉS DA PEDRA (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Após a Criação, quando tudo já estava em seu lugar, restou ao homem expressar e compartilhar o amor que Deus providencialmente colocou em seu coração. Não só o amor perante o próximo e pelos seres e elementos da criação, mas também o amor romântico entre as pessoas.
A pedra, esse mineral rochoso, duro e sólido, tão comumente conhecido por todos, havia sido criada por Deus no terceiro dia da Criação: “Deus disse: ‘Que as águas que estão debaixo dos céus se ajuntem num mesmo lugar, e apareça o elemento árido.’ E assim se fez. Deus chamou ao elemento árido terra, e ao ajuntamento das águas mar. E Deus viu que isso era bom”. Na aridez da terra, o surgimento das rochas, a formação da pedra.
Não se deve esquecer que a criação do homem e da mulher se deu posteriormente, apenas no sexto dia:
Então Deus disse: "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se arrastem sobre a terra. Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher”.
Como presente divino, eis que criados à sua imagem e semelhança, o homem e a mulher receberam um lindo jardim para habitar, o Jardim do Éden. E ali já estava formada a pedra, portentosamente presente, guardando na sua aparente rígida feição o silêncio da sabedoria. E por isso mesmo afirma-se que a pedra foi o primeiro ser filosófico existente sobre a terra.
Quieta no seu canto de jardim, recebendo por cima de seu corpo a alva da manhã, o sol mais inclemente e o brilho da lua e das estrelas, levava o seu tempo a pensar na existência de tudo ao redor, o significado de toda aquela criação, sobre o futuro de cada elemento e cada ser. Contudo, avistando Adão e Eva, pensava no desígnio do ser humano depois que toda aquela paz amorosa se rompesse.
Num instante que Adão sentou no seu dorso, um tanto entristecido por não poder quebrar as regras estabelecidas ali e assim demonstrar a Eva sua prevalência de homem, a pedra cortou seu silêncio e falou:
“Adão, se tens amor, se sentes amar, então nada mais do que isto precisarás demonstrar. A prova maior que um ser humano pode dar perante outro deverá ser através do amor. Na demonstração do amor esta toda a prova da capacidade e da força do homem. E também da mulher...”.
Muito tempo depois, quando a ventania dos tempos já a havia transformado em pó e a tornado pedra novamente em outro lugar, às margens das águas marinhas, eis que avistou uma bela jovem caminhando descalça, tristemente solitária, com olhos chorosos e coração pulsante. Tendo parado ao seu lado e ficado em pé mirando a vastidão das águas, ouviu o chamado da pedra. Assustada, ao se virar ouviu:
“Não te assustes, minha bela jovem, sou eu, a pedra. Sim, a pedra que vês adiante, aqui onde repouso agora. Não tenhas medo, te aproximes um pouco mais que ensinarei a praticar um pequeno gesto que certamente mudará tua vida, te trará conforto ao coração e passará a sentir esta aflição amorosa que ora tanto afliges de uma forma bem diferente. Por favor, te aproximes...”.
Mesmo temerosa, a mocinha seguiu até onde a pedra estava e logo ouviu: “De longe me olhas e logo pressupões a rocha dura, a pedra férrea, a solidez mais brutal, não é mesmo? De perto também. Sim, de perto também. Mas já imaginou o que tenho dentro de mim, o que guardo dentro de mim, o sentimento que tenho, a vida que os outros desconhecem? Pois bem, sou pedra e te juro possuir o maior sentimento do mundo. Mas não maior do que o teu, que és mulher e pode expressar tudo onde quiseres, com gestos e com palavras. Já procuraste mostrar este teu tão grande amor a quem merece ouvi-la?”.
A mocinha apenas balançou a cabeça dizendo que não, que sofria pelo amor não revelado. Então a pedra repentinamente disse: “Coloque tua mão por cima de mim, encontre um pedaço que está se soltando, depois se encaminhe até a beira do mar e jogue a pedrinha o mais distante que conseguir”.
E assim a mocinha fez. Ao retornar, a pedra perguntou o que tinha acontecido quando a pedrinha alcançou a água. Ela respondeu que havia sumido, ao que a pedra completou:
“Eis o mistério do amor. Sim, a pedrinha sumiu, desceu até as profundezas. Contudo, antes de submergir espalhou um círculo de água inimaginável para uma pedrinha tão pequena. Então te digo minha bela jovem: o amor é pedra que se entranha no coração. Ao entrar espalha sentimentos tão fortes que ninguém imaginaria pudesse ser assim. Mas no amor é preciso que a pessoa que ama não deixe que as forças dos sentimentos recuem e apenas escondam a pedra guardada lá dentro. O círculo de sentimento criado, a força sentida e espalhada, será o impulso chamando a navegar em busca do amor tão desejado”.
Já era tarde. Era quase noite. E a pedra acompanhava os passos de retorno de uma moça feliz. E que lua bonita surgindo lá em cima!



Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Rangel disse...

Demorei, mas voltei...
Parabéns pela publicação da presente crônica, ficou bem interessante essa sintonia entre a criação e a pedra, parbéns...