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domingo, 19 de agosto de 2012

O CANDIDATO (Crônica)


                                                 Rangel Alves da Costa*


Eleitonio Sufragal, mais conhecido como Gente Fina, marcou uma importante reunião familiar para discutir acerca de uma possível candidatura sua no pleito vindouro. Sendo pessoa de honra reconhecida, amigo de todos, sem ter as tais características negativas que tanto faz a festa dos adversários, resolveu que havia chegado o momento de ver testado nas urnas o seu reconhecido nome.
A reunião era destinada exclusivamente a familiares, contando com a presença do seu avô paterno, seu pai, dois tios, um irmão e um amigo de confiança. Chegaram sem saber ao certo sobre o que tratariam naquele encontro, vez que bem poderia ser para alguma comemoração especial.
Todos os convidados presentes e dada por aberta a reunião, após se servir de um drinque o popular Gente Fina começou a falar e foi logo dizendo do que se tratava. Teceu considerações sobre a roubalheira existente naquela administração, das arbitrariedades praticadas, da corrupção que esvaziava as contas do município sem que nenhuma obra fosse realizada. Nisso foi unanimemente aplaudido, afinal eram todos adversários do administrador atual.
O passo seguinte foi comentar sobre suas qualidades. E quando disse que o município precisava de um homem sério como ele à frente dos seus destinos, logo foi interrompido pelo avô, afirmando:
“Mas se você é homem sério então tire logo da cabeça essa ideia de ser candidato. Quem já se viu, aqui ou em qualquer outro lugar, pessoa séria servir pra político? Agora me aponte um só político com mandato que seja pessoa séria, digna, honesta. E não existe porque o pé da pessoa séria, uma vez na lama, vai afundar mais do que aqueles que já estão acostumados com o lamaçal. A política, meu filho, é como um beco sem saída para um lixão. Uma vez ali não há mais como voltar e quem é honesto vai ficar mal-afamado, quem é bom se torna imprestável, quem tem moral vai virar um cafajeste, quem é sério ou logo será chamado de ladrão ou efetivamente o será...”.
Cheio das melhores pretensões, Gente Fina esperou o seu avô terminar sua digressão para falar que com ele seria diferente, que sua honestidade seria comprovada e que não roubaria nem deixaria roubar. Então foi a vez do pai pedir a palavra e dizer:
“Admiro muito a sua intenção e mais do que ninguém reconheço o grande homem que você é. Contudo, os verdadeiros grandes homens não nasceram para a política partidária. Por mais dignos e honrados que sejam, e grandes homens na mais alta expressão da palavra, uma vez enveredados na política se tornarão mais tronchos do que planta de rio. O problema maior é que o tal grande homem não pode administrar sozinho e ao se cercar de assessores certamente se tornará num Ali Babá, num chefe de quadrilha, num líder de facção criminosa. Verdade é que ainda que o mesmo não pense, no primeiro instante, em tirar proveito das benesses dos cofres públicos, mais tarde vai ver como seus auxiliares vão com sede ao pote e não demorará muito para que se lambuze do mesmo mel. E tal lambuzação é tão pegajosa que a pessoa passa a não ter mais como sair...”.
Mais uma vez Gente Fina reconheceu verdades naquelas considerações, mas disse que não se deixaria levar por esse tipo de coisa nem teria ao seu lado gente que também não fosse de reputação comprovada. Ademais, seria o próprio povo o fiscal de sua administração, a quem atenderia a todo instante. Ia dizer mais quando foi interrompido por seu irmão, que foi logo afirmando:
“Espere aí, se você fosse candidato e ganhasse, nem venha com essa de que é o povo quem deve ser o governo. Isso não existe nem nunca existiu. O povo vota porque confia e dessa confiança é que nasce a expectativa de uma administração eficiente. O povo no seu lugar e você na sua cadeira. Nunca existiu esse negócio de povo no poder. O povo, acertada ou erradamente, apenas vota. E só isso, pois tudo continuará distante: o poder no poder e o povo no seu lugar. Para se aproximar um pouquinho desse povo bastaria que você, no poder, pensasse nele em cada obra que fosse realizar, em cada melhoria que fosse fazer. E fazer mesmo, administrar com seriedade. Ademais, deve priorizar ações, vez que ninguém atende a todo mundo o tempo todo. Isso é lá se você fosse candidato, mas como não vai ser...”.
Nesse momento Gente Fina pareceu não ter gostado muito da última assertiva do irmão, afirmando que ele não seria candidato. Retrucou e afirmou que seria sim, e sem gastar um tostão comprando voto nem folgando o bolso de lideranças. Duvidava que não fosse assim, o primeiro homem realmente honesto, que não roubaria e nem deixaria roubar e que seria eleito sem gastar um tostão.
Então os convidados se olharam e como não tinha jeito mesmo caíram na gargalhada. E quanto mais se lembravam da afirmação de que ganharia eleição só na honestidade e sem gastar nada, então chegavam a vermelhar de tanta risada.
Mas Gente Fina era tão honesto consigo mesmo que preferiu ficar fechado, todo silencioso. Verdade é que o coitado acreditava em papai Noel, em cegonha, em fada madrinha... Acreditava até em honestidade na política.

  

Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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