SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 19 de agosto de 2012

VIAGEM À MINHA TERRA (Quinta parte)

                  
                                             Rangel Alves da Costa*


Confirmo e reafirmo que minha viagem a Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo não objetivava somente participar das comemorações alusivas à festa da padroeira, ou festa de agosto como comumente é lembrada. E nem poderia ter sido assim, eis que sabia que teria de retornar antes mesmo do dia 15, data maior da religiosidade municipal.
Mesmo contando com poucos dias, meu objetivo, ou objetivos, eram bem mais amplos, eis que a um só tempo pretendia rever o meu povo, reencontrar os amigos, prosear com o velho sertanejo debaixo do pé de pau, caminhar folgadamente pelos arredores, me situar novamente dentro uma povoação que cresceu demais sem que eu tivesse acompanhado tal crescimento.
Verdade é que a sede municipal aos poucos foi ficando um tanto estranha para mim. Muita coisa que conhecia foi desaparecendo, modificando, tomando uma nova feição. E em muitas situações teria de reconstruir os passos e alargá-los se pretendesse conhecer novamente meu berço de nascimento. É triste dizer, mas para os mais jovens não deixo de ser visto como mais um forasteiro.
Mas tudo por culpa minha, reconheço com sinceridade. Aracaju não é tão longe assim, e quem diz tanta amar sua terra, seu sertão, seu povo, seus conterrâneos, não pode ficar ausente por tanto tempo como tenho ficado. Causa-me ressentimento, uma certa dor intimista, chegar naquelas distâncias e sentir que sou recebido de braços abertos, que as pessoas gostam de mim, que se sentem bem com minha presença. Mas que de vez em quando desapareço.
Longe de egoísmos nem vaidades, distante de estar criando considerações positivas a meu próprio respeito, mas a verdade é que muita gente me olha e sinto que tem vontade de dizer que sou importante na vida do seu lugar, que queria me ver mais presente ali, que queria compartilhar mais do que posso oferecer. E o que posso oferecer a meu povo? Juro que não sei responder, mas talvez uma voz, uma ação, uma palavra diferenciada e amiga diante de cada um.
Palavra diferenciada porque as pessoas são diferentes e os sentimentos ainda mais; as capacidades de compreensão mudam, os valores também; o que um precisa ouvir e compartilhar ao outro talvez não tenha necessidade alguma. Talvez seja esse meu jeito de entender o homem perante sua condição, e dessa compreensão falar à sua alma, que tenha permitido que eu continue com tantos amigos no meu lugar.
Juro que gostaria de chegar por lá e fazer muita coisa diferente do que simplesmente faço. Gostaria de reunir pessoas para falar dos meus livros, para mostrar como tem sido minha produção literária, o que escrevo e como escrevo, o que me motiva a continuar produzindo. Longe de querer mostrar uma importância que não pretendo ter, tais ações objetivariam somente motivar os meninos e meninas, incutir nas suas mentes a importância de transformar pensamento em escrita, a necessidade de não ter medo de colocar no papel o que pensa, de não ter receio por achar que escreve errado.
Juro que gostaria de reunir pessoas para falar sobre a história do município, para ouvir o relato dos mais velhos, tecer considerações sobre as antigas manifestações culturais, indagar sobre o que ainda temos e podemos preservar. Juro que gostaria de chegar à casa de cada um, pedir licença e entrar para ouvir as coisas simples da vida, para falar do ontem e do hoje, para relembrar e reviver, para firmar ainda mais o compromisso de sertanice.
Os amigos que quiserem podem me cobrar. Algum dia deixarei de tanto planejar para agir mais perante o meu povo. E quanto preciso disso, dessa presença, desse compartilhamento, desse convívio irmão. Quanto preciso falar com a pedra esquecida, com a velha aroeira, com a catingueira desfolhada, com aquele que acha que ninguém lhe dá atenção. Quanto preciso abraçar o Alto de João Paulo, o Alto de Dona Tindinha, o leito do Jacaré, as veredas que dão em todo lugar, a arte do Mestre Tonho, os batalhadores dos grupos folclóricos e teatrais que tanto dignificam o nome do município.
Tais são alguns dos grandes objetivos de minha vida, e muito além do quase nada que fiz durante minha última visita. Pelo pouco tempo que passei por lá, o que pude fazer foi como se estivesse apenas abrindo novamente caminhos para o contato com o povo, para conhecer a nova realidade existente em parte da periferia, para sentir um pouco as muitas transformações ali existentes.
Foi por isso mesmo que no alvorecer do domingo eu já estava caminhando pelas ruas do Bairro São José. Espantado com a grandiosidade daquilo tudo, vez que com a memória ainda avistando pastagens, roças, matarias e estradas tomando aquelas dimensões, e o que já conhecia acerca das primeiras ruas surgidas nesse núcleo habitacional nem se comparava com o que se mostrava ali adiante, a cada esquina, a cada nova curva.
Praticamente todo pavimentado, em alguns lugares o calçamento já merecendo pequenos reparos, caminhei por entre moradias simples e de pessoas também muito simples. Uma ou outra construção mais portentosa não tem o dom de afastar o caráter de simplicidade que caracteriza o bairro, um lugar de habitação para pessoas de parcos recursos. Como se diz por lá, ali de mãos dadas a pobreza e a remediação, a carência e a luta pela sobrevivência.
Pela hora do dia, ainda cedo demais, a maioria das casas continuava de portas fechadas. Pelas calçadas e arredores apenas mulheres varrendo as calçadas, passando a vassoura ao redor, pessoas já se encaminhando para os afazeres do dia e alguns jovens passando com gaiolas de passarinho em busca de mataria adiante para, ainda na gaiola, colocar as pequenas aves em contato com a natureza.
Observei o mesmo gesto passarinheiro no outro dia já nas imediações do Bairro Lídia. E foi quando não suportei a curiosidade e perguntei por que tantas pessoas passando com gaiolas de passarinho, às vezes três ou quatro caminhando na mesma direção e certamente para fazer o mesmo. Foi quando fui informado desse costume que em outros tempos eu já presenciara muito ser realizado, mas não por tantas pessoas.
 E me foi relatado pormenores dessa providência em logo cedinho levar os pássaros para um lugar de mataria e deixá-los ali por instantes debaixo do sol ainda ameno para reencontrar a natureza, sentir a presença dos pássaros em liberdade, reanimarem o seu canto, perder um pouco do entristecimento por viverem engaiolados. E disse que voltavam a cantar e cada vez mais bonito.
Pensei em perguntar por que não seria melhor libertá-los, abrir a porta das gaiolas e colocá-los onde realmente mereciam estar. Contudo, achei melhor guardar comigo essa preocupação e apenas entender – sem intimamente aceitar - esse antigo costume sertanejo de criar passarinhos. Sem um boi ou uma vaca, um cavalo ou cabrito, muitas vezes a única riqueza do cidadão é o seu passarinho tão cantador de dar inveja ao vizinho ou a quem passa adiante da moradia.
Continua...       



Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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