Rangel Alves da Costa*
Mesmo com menos de três dias visitando minha terra, meu sertão pouco chuvoso, com esturricamento de palmo em palmo, meu caudal esperançoso de Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, creio que pude aproveitar com excelência as minhas manhãs de visitação e caminhadas pelos arredores mais afastados da cidade.
Não somente isto, vez que depois de retornar das trilhas de reconhecimento e redescoberta, já tinha outro destino certo. Assim, seguia pelo centro da cidade e arredores, caminhando com sacrifício por ruas esburacadas, sujas, com feições de restos de guerra. Muito antes do mercado da carne já percebia as boas vindas: o mosqueiro, o vento impregnado de podridão, a imundície logo adiante. E logo onde a carne é cortada, exposta, vendida.
Acrescente-se que a sujeira imperava, a podridão se alastrava sem ao menos ser dia de feira. Defronte ao local havia gente vendendo carne de galinha, de porco e de bode, ao ar livre, ao sabor da festa mosqueira. Passei rapidamente, cumprimentei Meirinha e não tive coragem nem de olhar para o interior do mercado. O problema é que todo mundo sabe que não adiante jogar apenas água depois da feira. Torna-se pior, alastrando a fedentina do sangue fresco e que mais tarde se tornará em completa podridão.
Aliás, sem medo de errar afirmo que a região do mercado, ou onde se localizam a venda de carne e estão permanentemente expostas aquelas mesas imundas, feias e desnecessárias (ao menos naquele local), onde são vendidos outros alimentos e produtos diversos, é a parte da cidade que mais abomina, arrepia e enoja tanto o morador como o visitante. Parece mais um mercado africano, todo desorganizado, malcheiroso, numa paisagem que bem poderia ser evitada se a administração municipal tivesse consciência que local de feira não é no centro da cidade.
Os locais abertos ao redor do centro urbano, as praças e ruas adjacentes, certamente que deverão possuir outra destinação. Somente em Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, onde verdadeiramente se brinca de administrar, é permitido que parte da feira semanal seja realizada em plena Praça da Matriz e pelas ruas ao redor. Então, nem praça nem feira, nem lazer nem comércio, além da imundície própria que tudo isso causa em pleno coração da cidade. Sem falar no desgaste dos moradores que se vêem com suas calçadas tomadas por mercadorias e bancas, e muitas vezes sem poder abrir a porta ou tirar o veículo da garagem.
São tais aspectos que me tornam totalmente opositor a administradores que agem desse modo, não têm a mínima consideração pelos reclamos do povo e ainda por cima agem como se tudo estivesse às mil maravilhas. Ou sou completamente cego ou algo está muito errado naquele reino sertanejo. Não é admissível que um prefeito em sã consciência, que tenha um mínimo de bom senso, que tenha alguma responsabilidade com os destinos do município, não olhe, não veja e não sinta essa desastrosa realidade.
Creio que a razão está com um velho sábio que vivia enfurnado numa montanha lá pelas bandas do Curralinho. Um dia alguém lhe perguntou por que o ser humano é propenso a ter duas caras, a mudar tanto de hora pra outra, a ser completamente o oposto do que diz. E ele, na sua sabedoria dos tempos, simplesmente olhou em direção ao São Francisco que corria lá embaixo e respondeu:
“Tome-se por exemplo essa água que corre adiante. Se fosse pessoa não se contentaria em apenas passar e não mais voltar. A mesma água não volta mais, e a cada curva que passa mais sábia será, pois preocupada apenas com o seu destino. Mas o ser humano não. Este quer enganar a qualquer tipo de natureza: a sua e a divina. E por isso mesmo faria a curva lá embaixo para passar por aqui novamente, e duas ou mais vezes. Só que a cada novo percurso já estaria água suja, turva, insossa, impregnada de imundícies. Eis que a verdade do ser humano está no curso único de sua vida, no seu jeito puro e límpido, mas toda vez que sente ao seu lado o poder, o prestígio, a riqueza, não se contenta em ser apenas ele. Deixará que sua dignidade siga adiante e fará a curva, mil vezes se for possível, para ter o poder à mão. Mas já não será mais o mesmo homem, será a água suja, a lama. Daí as duas caras: a de antes e a depois do poder”.
Eis que os tempos são outros, amigo sábio, porém no mesmo curso. Pena que a sabedoria dos tempos não consegue penetrar na cegueira humana, no ser que se fecha em vaidades, egoísmos, vivendo somente para e em função do poder. E se este poder fosse força de ação para ser revertida em proveito do povo, então estaria justificada o voto do eleitor para sua manutenção. Mas não. Muito pelo contrário. O poder cega, doma, medonhamente absorve. E como o cego se torna também insano, então as mazelas e os castigos não recaem em outro senão no povo.
Deixando um pouco a filosofia matuta, seguimos adiante, retomando o que dizia acerca das caminhadas e visitações. Assim, acordando com o dia ainda escurecido, enfrentando frio intenso, calçava minha chinela de dedo e saía tomando o rumo do olhar. A cidade ainda silenciosa, adormecida, cansada pelos burburinhos festivos, com poucas pessoas já abrindo suas portas, varrendo calçadas, esperando ou indo buscar o leite, passando para o trabalho distante, caminhando com gaiola na mão rumo a mataria.
E que belo aquele momento, que coisa maravilhosa é despertar cedinho para aproveitar ao máximo a manhã sertaneja. E logicamente saindo do centro e seguindo para lugares mais afastados, mais descampados, mais próximos à natureza. Não fui caminhar pelas veredas e matos, mas encontrei a simplicidade que desejava andando pelos conjuntos, bairros, ruas afastadas, moradias quase esquecidas.
Já falei muito sobre tais andanças, sobre o que vi, o que encontrei, meus contentamentos, minhas decepções. Mas agora preciso transcrever um pouco dos proseados, diálogos cheirando a café quentinho, ainda que não tenha experimentado nenhum, que mantive com os humildes moradores dos lugares por onde passei.
Continua...
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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