Rangel Alves da Costa*
Como afirmado no texto anterior, cheguei a Nossa Senhora de Poço Redondo já no sábado escurecido e friento. Sertão caracterizado pelo clima seco e dias calorentos demais, a partir do mês de julho começa o contraste climático: depois do entardecer começa a esfriar tanto que a naftalina dos velhos casacos é sentida em cada proximidade. E assim vai até o mês de setembro.
Como os dias festivos aconteceriam de 13 a 15, esperava apenas encontrar uma rapaziada vivendo momentos de expectativa. Realmente, os comentários sobre as festas dançantes já eram muitos, mas noutro sentido, pois o que mais se ouvia eram as conversas em tom de dúvida, indagações de boca a boca se a festa na praça de eventos iria acontecer ou não.
Naquele sábado a decisão da juíza da comarca proibindo a apresentação das bandas já havia sido tomada, era do conhecimento do prefeito, de sua assessoria jurídica e de algumas pessoas mais influentes, porém não haviam tido o respeito suficiente perante a população e dito logo a verdade. Assim, as indagações e as expectativas continuavam movendo as esperanças dos jovens mais afoitos.
Mas ainda não chegou o momento de relatar com precisão o desenlace dessa situação, envolvendo aspectos como a manutenção da proibição, as medidas recursais tomadas pela assessoria jurídica e a prevalência do bom senso jurídico diante do quadro pintado pela própria administração municipal que, se de um lado levou ao conhecimento do judiciário o estado de calamidade pública em virtude da prolongada estiagem, de outro queria fazer uma festa caríssima na praça de eventos.
Pois bem, a expectativa era tamanha, as conversas eram tantas, e as bebedeiras também, que a juventude nem se dava conta que logo ali pertinho, na igreja da Praça da Matriz, havia celebração de missa. Tive oportunidade de assistir parte da celebração e fiquei maravilhado com o que encontrei no nosso templo dedicado à padroeira Nossa Senhora da Conceição.
Igreja antiga, paróquia pertencente à Diocese de Propriá, do seu púlpito já exercitaram os seus ofícios de fé e de sublime religiosidade pastores como Padre Arthur Passos, Padre Paulo, Padre Gregório, Frei Teodoro e tantos outros de agraciada memória. Inesquecível a Santa Missão, em tempos idos, tendo à frente o hoje louvado e devotado santo sertanejo Frei Damião.
Naquele sábado Frei Teodoro estava por lá, co-celebrando missa como convidado do mais novo pároco, o Padre Fabiano. Este, um jovem com olhos de cristão revolucionário e sonhador com as benesses divinas para o seu rebanho tão sofrido. Que o bom rapaz seja abençoado por Deus e não procure fazer do púlpito um palanque político, como outro vergonhosa e indignamente fez, cometendo o pecado dos pecados e que não deixará de receber o merecido castigo.
Juro que da missa ouvi pouco, vez que desde muito consegui construir um templo próprio no meu coração, e onde ressoa a voz de meu Deus, ouço a voz dos santos aos quais me devoto, compartilho do voo dos anjos e entidades celestiais. Mas na verdade, a beleza que está a igreja faz com que nossos olhos viagem sem parar diante daquela nova realidade, daquele sublime e cativante cenário paroquial.
O prédio é o mesmo e no mesmo local, só que foi ampliado lateralmente e teve sua arquitetura interior modificada. O que era antes um espaço modesto, um tanto austero demais, acabou recebendo novas formas que lhe permitiram uma leveza incomparável. Logo atrás da mesa das celebrações uma parede entrecortada por duas linhas semicirculares e uma cavidade onde está colocada a Cruz do Senhor. À noite, com as luzes acesas, as linhas azuladas sobressaem ao fundo, cortando a parede e ladeando a cruz, proporcionando um efeito magistral.
Providencialmente, o local de ampliação lateral passou a servir como lugar de coro. Dali os cantos religiosos ecoam por toda a igreja, os instrumentos de acompanhamento soltam seus acordes, e tudo ao redor da maravilhosa imagem de Nossa Senhora da Conceição. Parece-me que cuidadosamente pintada em cores fortes, vivas e realistas, se assenta numa espécie de grande oratório com duas laterais que se abrem para formar um templo. Com as luzes ali dispostas, refletindo sobre a imagem, o que se tem é um verdadeiro e vivo encontro com a nossa querida padroeira. Talvez esta imagem seja a coisa mais bela existente em todo o sertão sergipano.
Já na noite do dia seguinte, no domingo, ainda na frente da igreja, presenciei dois fatos contraditórios e impressionantes. O primeiro foi encontrar ali um grupo de crianças do Povoado Bonsucesso resgatando uma das manifestações populares mais autênticas e que infelizmente está sendo cada vez mais relegada ao plano do esquecimento: o pastoril, a dança do azul e do encarnado, o afloramento das raízes de um povo. E ao final as pastorinhas oferecendo flores aos que prestigiavam aquele folguedo em doce poesia.
E agora pasmem diante do que presenciei ainda durante a apresentação do grupo folclórico. Eis que enquanto as crianças rodavam, dançavam, cantavam e pastoreavam, um rapaz – verdadeiro vagabundo irresponsável – passou de motocicleta em alta velocidade quase pelo meio do grupo, quase atropelando as crianças, e tudo aos olhos estupefatos das pessoas que assistiam ao redor, inclusive o Padre Fabiano.
Olhei para o lado indignado e ouvi: “Rangel, você não conhece mais Poço Redondo. Isso aí é café pequeno diante do que parte dessa rapaziada anda fazendo de moto!”. Olhei para a igreja e me benzi por dentro.
Continua...
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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