SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O FILÓSOFO E O POETA

                    
                                               Rangel Alves da Costa*


Cruzando os campos ao final da tarde em direção à montanha, o filósofo encontrou o poeta andando lentamente pela relva, colhendo uma flor aqui outra ali, com a indescritível feição dos solitários em busca de razões e motivos para alcançar o difícil amor.
Neste aspecto, não havia qualquer distinção entre o filósofo e o poeta. O primeiro, como fazia todos os dias ao se derramar o vermelho da tarde, seguia em direção à montanha e lá de cima, mirando o horizonte, o céu e as paisagens ao redor e distantes, começava a indagar sobre a vida, o mundo, o homem, o destino, a existência de Deus, a sua presença.
Já o poeta fazia o mesmo todas as tardes, assim que o sol esfriava, quando seguia rumo aos campos floridos em busca de inspiração para os seus versos. Dizia que as deusas campesinas moravam ali, as ninfas, sílfides e outras magias femininas também.  Nas musas encantadas alcançava o meigo e doce olhar de sua paixão não correspondida. E quanto verso ainda escreveria até que a sorte de um beijo lhe chegasse na boca da brisa.
Assim, os motivos uniam os dois nas suas tardes de solidão e encantamento diante da natureza. Avistavam-se sempre, acenavam-se, trocavam ligeiros cumprimentos, mas sem jamais tirar dois ou três minutos para um diálogo. E que diálogo interessante seria o travado entre um filósofo e um poeta. Um em busca da razão e o outro da existência, um catando raízes e o outro embelezando as folhagens.
Mas naquela hora magistral, por iniciativa do filósofo, o diálogo enfim pôde ser travado, vivenciado, e talvez com a natureza e a ventania da tarde de ouvidos atentos para não perder uma palavra sequer daquelas encantadoras palavras. Então, o filósofo se aproximou e disse:
“Boa tarde. Ou seria outro nome para esse momento? Tarde já não é; chamam entardecer, mas também não é. Eis que me vem esse nome bonito, doce e altivo: crepúsculo!
“Então bom crepúsculo. Porém, certamente este não seria o melhor nome a designar este maravilhoso momento do fim do dia. Ora, vejamos se crepúsculo não significa o que vai caindo, o que está se findando, o que logo alcançará a morte. Assim dizem: crepúsculo dos deuses, dos impérios, crepúsculo dos homens. Não, definitivamente não aceito que tal momento seja nomeado crepúsculo, principalmente quando sabemos que após este momento virá a sombra da noite, a noite em si, a escuridão. Eis que o anoitecer, momento antes de a noite chegar completamente, surge diante de nós como uma imensa moldura para tudo de maravilhoso que poderemos viver debaixo da lua, circundado por estrelas...”.
O filósofo encantava-se com as palavras do poeta, e até achou providencial aquela pequena contestação acerca do nome crepúsculo. Mas afirmou em seguida: “Dou-te a razão, eis a beleza de tuas palavras. Mas que nome daremos a este momento que logo se esvairá senão a única e correta denominação que me vem à mente, que é crepúsculo mesmo?”. Ao que o filósofo respondeu:
“Que o sol já se pôs ninguém há de duvidar, daí querer chamar esse lusco-fusco de crepúsculo. Na sua concepção filosófica talvez esteja correto, pois se atém ao fundo e não à moldura. Mas no meu pensamento poético não, eis que rejeito cantar o fim do dia quando sei que as portas maravilhosas da noite logo estarão abertas. Insisto em dizer, meu caro amigo, que a meiguice do nome crepúsculo não afasta a aparência de tampa de caixão onde queres guardar o fim do dia. Não, morte não. Vida, isto sim, a vida, pois a noite que sempre chega em seguida não significa outra coisa senão o silêncio misterioso da procriação do mundo...”.
“Mas um nome para este momento, já que definitivamente rejeitas crepúsculo?”. Quase grita o filósofo, já vendo a hora de subir à montanha já debaixo da lua. Então ouviu do filósofo:
“Um nome, sim, queres um nome para este momento. Pois bem, então que tal buquê? Sim, buquê. E diremos sobre o buquê que se estende sobre o nosso olhar e tudo que avistamos nesse momento sublime é a força de Deus nos mostrando flores em tudo que há ao redor...”.
“Talvez ramalhete...”. Opinou o filósofo, para ouvir em seguida. “Não, buquê. Sinta o aroma pelos campos, nas flores ainda luzindo, sinta as pétalas nas nuvens amarelo-avermelhadas, sinta essa ponta de espinho em nossos corações tão humanos. Sinta a vida, e que vida maravilhosa nesse majestoso buquê, uma oferenda maior à noite, ao amanhecer, ao alvorecer...”.
O filósofo seguiu adiante pensando na vida como ramalhete, enquanto o poeta ficou de braços abertos apreciando as flores do seu imenso buquê.


  
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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