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terça-feira, 14 de agosto de 2012

NO SILÊNCIO DA IGREJA (Crônica)


                                       Rangel Alves da Costa*


As más línguas falavam besteiras sobre a mocinha porque ela só gostava de estar na igreja quando não havia um só pé de pessoa ao redor. Diziam que marcava ali encontros às escondidas e que até mantinha um romance proibido com o padre, que logo a convidava para safadezas na sacristia. Coisas de quem não tem coisa mais importante a fazer nem nada mais proveitoso a espalhar.
Mas ela - diferentemente do que se podia esperar - jamais se preocupou com o que os outros falavam nem se dava ao trabalho de explicar porque só freqüentava o templo católico quando o mesmo estava em absoluto silêncio. Mas algumas pessoas mais próximas sabiam exatamente porque ela fazia isso, e dava-lhe toda razão.
Segundo a mocinha, somente no silêncio do templo podia conversar com Deus mais calma e demoradamente, falar sobre seus problemas, angústias e preocupações, buscar norte para a vida, pedir proteção em cada ato e passo que fosse realizar. Sentada ou ajoelhada, de olhos fechados ou abertos, com mãos sempre em oração, deixava-se expressar completamente porque sabia que estava sendo ouvida.
Ora, sabia que a igreja possui um silêncio mágico entrecortado por vozes divinas. Poucos possuem o dom e o poder de conviver com esse silêncio e ao mesmo tempo entender suas palavras. E ainda que não haja mesmo nenhuma voz, basta olhar a imagem na cruz, basta ir além dos olhos dos santos, basta saber que anjos estão voando ao redor. É tudo som, voz e palavra. E a voz, o grito da fé, tão intensa no coração que se espalha no eco infinito.
Como verdadeira amiga, se expressava baixinho, com palavras quase inaudíveis, pois sabia que tudo chegava com imensa ressonância àquele que tudo vê, ouve e se faz presente. Num instante estava sorrindo, alegre, animada, até dizendo criancices; noutro instante já ficava contrita, entristecida, temerosa, angustiada demais. E tudo segundo o percurso de sua conversa.
E ao se despedir sempre ouvia a voz dizendo que jamais se esquecesse da oração que Deus ensinou, e repetia suavemente: “Pai Nosso que estais no céu/ Santificado seja o vosso nome/ Vem a nós o vosso reino/ Seja feita a vossa vontade/ Assim na terra como no céu/ O pão nosso de cada dia nos dai hoje/ Perdoai-nos as nossas ofensas/ Assim como nós perdoamos/ A quem nos tem ofendido/ Não nos deixei cair em tentação/ Mas livrai-nos do mal/ Amém”.
Fato estranho é que de vez em quando também parava para ouvir. Segundo afirmava, tinha certeza que Deus respondia aos seus rogos, falava-lhe sobre o melhor a ser feito, dizia um monte de coisas de alegrar o coração, enriquecer a alma e fortalecer o espírito. Ouvia e agradecia, balançava a cabeça, sinalizava que estava compreendendo tudo.
Mas também era naquele silêncio que sentia e ouvia a presença dos anjos, os seus constantes voos, as suas planagens acima de sua cabeça e ao redor. Olhava pra cima, para o teto da igreja e via aquela revoada de querubins festejando as graças divinas. E em meio a isso tudo a orquestra suave, os violinos, o piano, as harpas, os instrumentos de sopro. E que doce melodia a música dos anjos, que maravilha era ouvir a Nona Sinfonia do Céu Azul.
E o que mais gostava era de ouvir uma música suave surgida lá do alto, vinda de uma vozinha mais suave ainda, cuja letra dizia: “Ser anjo, arcanjo, arranjo de Deus/ Estar ao teu lado, abrir os caminhos teus/ E que graça divina ser anjo da guarda, um anjo que guarda o filho de Deus/ Estar na presença, na ausência e até no adeus/ Anjo sim, um querubim/ Tanta paz, amor sem fim/ Anjo sim, eu sou assim/ tanta paz, a vida enfim...”.
Somente quando o diálogo com Deus terminava é que os santos começavam a conversar entre si, a murmurejar, a dizer coisas numa língua muitas vezes incompreensível. E porque não entendia e queria saber o que eles tantos falavam, então a mocinha pedia que gentilmente esclarecessem os termos utilizados, falassem numa linguagem que pudesse entender.
E ouvia, como saindo da boca de todos ao mesmo tempo: Existem palavras que não se traduzem. Ou as sente no coração ou não haverá como entender a língua da pronúncia. Palavras como amor, respeito e devoção não precisam de dicionários nem de traduções. Ou são vividas e vivenciadas ou jamais serão conhecidas.



Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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