Rangel Alves da Costa*
Minha família é imensa, com raízes espalhadas desde terras distantes, troncos que permanecem altivos e folhagens e frutos que hoje espalham sementes para continuar existindo, frutificando.
Daquelas raízes primeiras somente os frutos que foram gerando outras espécies. Do bisavô do meu bisavô, ao pai do meu pai, e de mim aos meus filhos, sempre a mesma linhagem hereditária, porém com sangue diversificado pelas ramificações familiares que se impuseram ao longo do tempo.
Por ser assim, porque a primeira semente vinga e no mesmo solo se junta à outra semente para procriar, e depois disso outras plantas vão surgindo com novos matizes e feições, quando criança imaginava que no máximo quatro gerações existiam a cada vez, ou seja, de mim até os meus bisavôs.
E pensava também que com a morte dos meus bisavôs, o lugar destes seria tomado por meus avôs com relação aos meus filhos. E assim em diante, até um dia chegar a minha vez, já como bisavô, de desaparecer para dar lugar a outra geração. Mas depois descobri que nem tudo acontece sempre assim.
E não acontece porque a vida não obedece nem a ordem de chegada nem de partida, escolhendo aleatoriamente aqueles que devem partir primeiro ou depois. E nesse processo não adianta ser mais velho ou mais jovem, ser avô ou neto, para ser chamado da vida terrena. São as dores e as surpresas da existência.
Não deixa de ser uma realidade difícil de ser aceita, principalmente ao se imaginar que na ordem cronológica da existência os primeiros a existir deveriam também ser os primeiros a partir, ainda que doa demais em cada um perder uma familiar mesmo que já tenha passado dos cem anos. É simplesmente uma questão de não aceitar a morte de jeito nenhum, nem daquele em estado crônico e muito menos do que respira jovialidade e saúde.
Eu mesmo sou desses que rejeitam qualquer ideia ou hipótese de morte; a cada uma que chega sempre haverá de receber a minha revolta e a minha máxima repulsa. E digo na cara sua feição monstruosa e horrenda que não permito mais aquilo tipo de inesperada visita. E que fique mal da família, que não pareça nunca mais. Mas ela, a dita, com seu jeito frio e sombrio, parece que nem me ouve.
Contudo, considerando-se a inevitabilidade da morte, seria muito menos doloroso que ela respeitasse alguns pressupostos de existência do indivíduo. No meu entendimento, é injusto que uma mãe sofra tanto para ter um filho, suporte outros tantos sacrifícios para criá-lo, e de repente a morte chegue para levá-lo, e às vezes por motivos injustificáveis e inaceitáveis para os seus, que em momentos assim pouca valia dão ao que outros chamam destino.
Seja de que de que modo for, com as dores das perdas e as inquietações da vida diante da morte, sempre comparo a família ao outono que sempre chega após o verão e ao seu inevitável desaparecimento para chegar o inverno. Depois de tanto fortalecimento, tanta seiva, tanto verdor, eis que as folhas vão perdendo o brilho, enfraquecendo, para em seguida serem levadas pelo vento da morte.
Mas nem todas as folhas desse tronco familiar fraquejam de vez e são levadas a um só tempo. Muitas insistem em permanecer nos seus galhos lutando ferozmente contra as tempestades da vida, e assim permanecem até que não suportam mais nem a friagem da brisa. Contudo, em meios às folhagens fracas e desgastadas vão brotando outras palmas verdejantes e que mais tarde tomarão o lugar daqueles que forem partindo.
Esta seria a ordem pensada, e infelizmente mais desejada. Mas a verdade é que no seio de todas as famílias as estações nem sempre obedecem ao itinerário da natureza. Aquilo que partiria num outono distante, já se vai ainda na primeira primavera. O inverno nem sempre chega para quem planeja viver tantas e mais tantas estações.
E o pior é que costumamos olhar apenas para nossos frutos sem olhar para a fragilidade de nossas raízes.
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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