SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 6 de julho de 2010

CERTAS PESSOAS (Crônica)

CERTAS PESSOAS

Rangel Alves da Costa*


E isso não é novidade: a vida dá e quer receber, doa muito para que repartam, semeia alegrias e tristezas na mesma proporção para todos, mesmo que muitos achem que são mais penalizados que outros. É que na maioria das vezes as coisas não chegam como temporais, mas como pingos. E muitas vezes, somando-se todo esse leve chover chega-se a oceanos, a proporções bem maiores do que aquilo que se acumula de repente e some.
Digo isso porque tem gente que se acha sendo perseguida pela vida inteira, por tudo e por todos. Se sente discriminada por tudo que acontece ao redor, vítima da vida inteira, trazendo para cima de si, e por conta própria, tudo de ruim que há por aí e também o que nem existe ainda. Daí um pessimismo que enoja, um agouramento doentio, uma vontade deliberada de viver no azar, vendo a sorte sempre com desconfiança. Outras não estão nem aí, vivem na infelicidade que constroem e mesmo assim acham que os outros é que agem e torcem para que sejam infelizes.
Conheço gente que nem tem tempo em querer o pior para os outros, pois já amanhece dizendo que surgiu mais um dia que terá de suportar. Reclama que não dormiu bem e que por isso mesmo vai ficar com o corpo doído o dia inteirinho; se olha no espelho e logo se reconhece velha, feia e gorda. Coloca a culpa no espelho e o estilhaça todinho no fundo do quintal, depois volta e fura o pé e xinga o resto de sorte que lhe restava.
Com o pé ferido, não pode sair para arrumar o emprego tão desejado. Mas pra que emprego, se vivia dizendo que todo mundo tem direito a trabalhar menos ela, porque era isso e aquilo? Como não pode andar muito, resolve sentar no sofá e ficar pensando na vida. E pra quê? Logo lhe vem a mente que ninguém gosta dela porque é verdadeira, não gosta de mentira e diz tudo na cara e na hora; que não sabe porque nenhum namorado ficou muito tempo com ela, vez que gosta de proteger demais quem ama e ficar ao lado do amado o dia inteiro.
E não para por aí não, pois a produtividade negativa parece incessante. E se maldiz afirmando que preferia ter nascido ruim a ter a vida que leva sendo tão boazinha. E diz que a família é muito injusta, e só porque quer que a parte que lhe cabe na herança da mãe seja dada enquanto esta ainda está viva, pois tem medo que os irmãos tomem depois o seu; que não se dá bem com nenhum vizinho só porque eles reclamam quando ela faz farra até altas horas e com o som ligado na maior altura (tão bestas que reclamaram até porque os amigos de farra estavam fazendo xixi na porta deles).
Não se contenta e prossegue se reconhecendo uma injustiçada somente porque o carteiro parece não lhe suportar e se nega a entregar pessoalmente qualquer correspondência, e tudo isso porque esculhamba com o coitado quando entrega contas para pagar; que se sente muito só e abandonada, triste e solitária, e logo ela uma pessoa tão boa e prestativa. Mas até o padre ser cismado com ela já era demais, e só porque foram dizer ao sacerdote que na igreja, enquanto ele estava pescando almas para a cristandade, ela pescava homens para sua rede.
Tudo mentira, coisa de gentinha que não tinha o que fazer, enciumada porque ninguém tinha a capacidade que ela tinha em ter quatro, cinco ou mais namorados de uma só vez. Até uma moradora do outro trecho foi até sua casa esculhambar, dizer baixaria, só porque o marido dela andava e virava e ia tomar uma dose de uísque por lá. Povinho que não tem o que fazer, é isso que todos são, uns despeitados.
Ficam olhando por cima do muro só pra ver se estou fazendo macumba, aprontando farofa e galinha preta, preparando cachaça benzida. Ora, um feitiçozinho não faz mal a ninguém, e tanto é que se ainda não foi feliz com as encomendas que fez é porque certamente será noutra vida. Mas não tem nada não. Não há coisa mais certa do que o ditado dizendo que quem faz aqui paga aqui mesmo, pois um dia vão saber que a infelicidade de certas pessoas só dura até o dia que morrer. Depois certamente será muito feliz onde estiver, diferentemente dos que ficam torcendo para que o pior aconteça. É até bom que ninguém veja, pois se de uma hora pra outra a coisa der errado não ver querer olhar para ver se foi bom ou ruim e depois falar.
E assim, depois de muito lamentar, filosofar negativamente, chegou à conclusão que ela estava certa, sempre agiu corretamente, e o mundo não. Este sim, o mundo, deveria aprender com ela que a vida é uma lástima porque os outros olham quando certas pessoas fazem coisas erradas. O certo era todo mundo errar pra ninguém falar isso ou aquilo de ninguém.
Mas não conseguia entender porque aquele dia estava sendo tão ruim para ela...




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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