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domingo, 4 de julho de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 35

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 35

Rangel Alves da Costa*


Ao ouvir o nome de Ester, Lucas lembrou muito mais das brincadeiras dos corações adolescentes do que mesmo daquela menina que há pouco tempo havia feito cirandas e cantorias de roda para alegria e encanto dos seus sentimentos. Não quis que o amigo percebesse que estava um pouco entristecido e falou em tom de brincadeira:
- Esses meninos vão atrás de histórias de ouvi dizer para depois querer transformar fofocas em verdades. Quem já se viu meninos nessa idade estarem preocupados com namoro dos outros, mesmo que fosse verdade?
Mas Paulinho atiçava feito vento em fogo:
- Mas diga mesmo se é verdade ou mentira, pois disseram até que sabem onde ela mora...
E Lucas resolveu abrir seu baú de memórias recentes:
- Na verdade, Paulinho, a Ester que os meninos falam é a mesma Ester que vocês conhecem aqui da cidade. Quer dizer, de vez em quando, pois a mesma mora na capital. É aquela mocinha filha do ex-prefeito Coriolano que, pelo que sei, está se formando em medicina – Resolveu que pararia por aí, para não relembrar demais, para não reabrir feridas ainda não cicatrizadas no coração. Mas Paulinho insistiu:
- O que eu quero saber é se vocês namoraram mesmo, se você ainda...
E parecia que não tinha jeito mesmo.
- Pois bem, então ouça bem o que vou dizer. A gente namorou sim, mas nem sei se aquilo era realmente namoro, pois éramos praticamente crianças, eu ainda molecote e ela uma meninota bonita, como ainda hoje continua. Como eu era muito atrevido e gostava de escrever uns versinhos, achava ela bonita e comecei a escrever umas coisinhas e entregar escondido a ela. Ela gostava muito do que eu escrevia e eu, sem perceber, descobri que estava apaixonado. Escrevi isso numa poesia e ela ficou uns dois dias sem querer receber nenhum papel de minhas mãos. Pensei que ela não tinha gostado de saber da minha paixão, então decidi não escrever mais nada. Até que numa tarde ela bateu levemente no meu ombro e disse que estava com saudades dos meus bilhetinhos. Fiquei sem saber o que fazer diante da menina tão linda em minha frente, com um olhar doce e um rosto que era pura meiguice. Então eu disse que se ela não se importasse no outro dia eu entregaria um novo poema, e aí ela ficou toda feliz e sorridente e deu um beijo no meu rosto e saiu. Fiquei parado feito estátua, sem saber o que fazer, passando a mão no local do rosto onde ela havia beijado. No dia seguinte, ao invés do poema, entreguei um bilhete junto com uma flor perguntando se ela queria namorar comigo, mas pedi que ela só respondesse noutro bilhetinho. E quando foi mais tarde desse mesmo dia, chegou uma amiguinha dela com um papelzinho enrolado e me entregou. Estava acompanhado de um chocolate. Quando abri o bilhete meu rosto irradiou de felicidade, pois lá estava escrito: Sempre te amei Lucas. Um beijo de sua namorada Ester. E assim, ainda crianças, namoramos um tempão escondido, até que fomos crescendo, nos tornamos cada vez mais conscientes do que queríamos, até que um dia o pai dela soube e foi quase o fim da nossa história...
Paulinho estava ávido para ouvir mais, e por ele o amigo nem respiraria direito. E na sequencia foi logo perguntando:
- O que foi que o pai dela fez e porque quase foi o fim da história de vocês? Vocês ainda continuaram namorando?
- Quando o amor é grande, Paulinho, jamais se acaba de uma hora pra outra, principalmente quando são os dois que devem decidir e não os outros. Assim, porque a gente se gostava demais é que continuamos namorando escondido ainda por mais de um ano. Até que um dia, certamente porque as fofoqueiras do lugar foram dizer à família dela, tudo teve um fim forçado. A gente estava por trás da cantina do colégio quando o pai dela chegou de repente e foi logo puxando ela pelos cabelos e em seguida começou a dar uma surra ali mesmo. Ela foi levada praticamente arrastada. Mas o pai, antes de sair, se virou pra mim e disse que não tinha filha pra namorar com um pobretão igual a mim não, e que se soubesse que algum dia ao menos eu olhasse para a filha dele iria acabar com toda minha raça, com toda minha família...
- E depois, e depois disso Lucas? – Indagou desesperadamente Paulinho.
- Depois ela foi enviada pra capital, pra casa de uns parentes. E assim ficou por lá estudando, o que continua fazendo até hoje. Ainda chegou a mandar umas duas cartas pra mim, mas respondi apenas para dizer que na distância em que vivíamos era até impossível continuar alimentando aquilo tudo. Porém deixei bem claro que o que comandava a gente a partir de então era o destino, e que se este quisesse nos unir novamente um dia então que fosse assim...
- E depois? – Perguntou o curioso Paulinho.
- E depois tudo foi acabando como tudo acaba. Ela lá, estudando para se formar, e eu aqui buscando me formar na vida. Até que encontro ela quando está por aqui em época de férias, mas prefiro nem falar, que é pra evitar problemas e deixá-la com a liberdade que tanto merece. Só sei que continua linda, mas isso é uma opinião de quem enxerga a beleza nos outros e não de um ex-namorado. E agora, satisfeito?
- Mais ou menos, mas acho que essa história não está bem contada não. Depois quero saber de outras coisas – Concluiu o menino, sempre com um sorriso espalhado pelo rosto.


continua...




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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